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31/05/2018

Os 10 dias que pararam o Brasil: uma cronologia da greve dos caminhoneiros

Pouco a pouco, o Brasil começou nesta quarta-feira a se recuperar dos efeitos causados pela greve dos caminhoneiros, que durou dez dias e paralisou serviços como fornecimento de combustíveis e distribuição de alimentos e insumos médicos, levando o país à beira do colapso.
 
 

A categoria parou no dia 21 de maio para exigir uma redução nos preços do óleo diesel - que subiram mais de 50% nos últimos 12 meses. A principal reivindicação era que os impostos que incidem sobre o combustível, como o PIS-Cofins. Eles também exigiam a fixação de uma tabela mínima para os valores de frete.

Ao longo da greve, discursos anticorrupção também se juntaram às bandeiras defendidas pelo movimento, que em poucos dias se tornou expressivo e provocou impactos à população, em diversos segmentos. Alguns grupos de manifestantes passaram a expressar apoio a um golpe militar.

Com caminhões parados, bloqueando parcialmente as rodovidas, combustíveis deixaram de ser entregues em diversos postos e outras atividades que esperavam matérias-primas e produtos essenciais, como alimentos, também acabaram desabastecidos.

O movimento começou a perder força durante o fim de semana, após um acordo entre alguns representantes da categoria e o governo, e a entrada em cena do Exército para desbloquear vias e garantir o abastecimento aos diversos setores afetados.

Nesta quarta-feira, enquanto as forças de segurança atuavam para desmobilizar eventuais pontos de concentração de motoristas, em postos de combustíveis a dificuldade era gerenciar a oferta ainda escassa para filas de motoristas ávidos por garantir o abastecimento.

A BBC Brasil mostra com foi o dia a dia e os principais fatos que marcaram a greve:

Protesto em refinaria de Duque de Caxias, no Rio: Reajustes constantes no óleo diesel estão entre os motivos para a greve dos caminhoneiros
 
Protesto em refinaria de Duque de Caxias, no Rio: Reajustes constantes no óleo diesel estão entre os motivos para a greve dos caminhoneiros
Foto: BBCBrasil.com

21/05 (segunda-feira, 1º dia) - Início da paralisação

A disparada no preço do óleo diesel leva os caminhoneiros a iniciarem a paralisação, interrompendo o trânsito em rodovias de ao menos 17 Estados. O aumento do combustível está associado ao aumento do dólar e do petróleo no mercado internacional, que passaram a servir de base para a política de preços da Petrobras a partir de 2016 e que, em 2017, levaram a estatal a decidir aumentar a frequência nos ajustes de um mês para "a qualquer momento, inclusive diariamente".

Na semana que precedeu a greve, a Abcam, associação que representa parte dos caminhoneiros autônomos, havia protocolado um ofício na Presidência da República e na Casa Civil cobrando "medidas efetivas do Governo diante do aumento constante das refinarias e dos impostos que recaem sobre o óleo diesel". A entidade ameaçava convocar uma paralisação nacional caso as reivindicações não fossem atendidas.

22/05 (terça-feira, 2º dia) - Manifestação ganha alcance maior e primeiros efeitos no mercado aparecem

A manifestação ganha corpo e já chega a ao menos 24 Estados. A essa altura, os primeiros reflexos no mercado começam a surgir. Sem receber insumos que esperavam por via terrestre, grandes montadoras decidem reduzir a produção.

Pedro Parente anunciou redução temporária no preço do óleo diesel, por causa da greve, e negou que medida tenha sido influenciada pelo governo
 
Pedro Parente anunciou redução temporária no preço do óleo diesel, por causa da greve, e negou que medida tenha sido influenciada pelo governo
Foto: Reuters / BBCBrasil.com

23/05 (quarta-feira, 3º dia) - Petrobras anuncia redução temporária no preço

No início do dia, ministros avaliavam que os efeitos da greve não eram tão profundos. No início da noite, em uma tentativa de conter o movimento, o presidente da Petrobras, Pedro Parente, anunciava a redução de 10% do preço do óleo diesel nas refinarias por 15 dias e o congelamento dos preços durante esse período. Ele - que assumiu a presidência da empresa afirmando que não haveria interferência política na definição de preços da companhia - nega que tenha havido pressões do governo. A paralisação continua.

24/05 (quinta-feira, 4º dia) - Impactos à população, intervenção militar na pauta e acordo sem unanimidade

Greve mostra força e gera impacto em abastecimento e transportes de pelo menos 15 Estados, mais o Distrito Federal. Os efeitos a essa altura incluem redução de frotas de ônibus, falta de combustíveis e disparada de preços em postos de gasolina, cancelamento de aulas em universidades, voos ameaçados por falta de combustível, prateleiras vazias em supermercados e centros de abastecimento e a interrupção da produção em fábricas. A pauta inicial dos grevistas, que estava concentrada em questões econômicas, como o custo do óleo diesel e dos fretes para a categoria, é ampliada e o discurso anticorrupção, que inclui vozes em apoio a uma "intervenção militar", ganha força.

Foi em meio a esse contexto que, já à noite, o governo federal anunciou um acordo, com parte dos representantes da categoria, para suspender a greve. Fruto de sete horas de reuniões no Palácio do Planalto, o acordo incluiu, entre outros pontos, a promessa do governo de atender 12 reivindicações dos caminhoneiros, entre elas zerar a Cide sobre o diesel e baixar em 10% o preço do combustível nas refinarias por 30 dias. Deixou de fora, entretanto, a principal demanda dos trabalhadores: a isenção do PIS-Cofins sobre o óleo diesel.

Em uma tentativa de baixar o preço do combustível e debelar a greve, nas primeiras horas da quinta, os deputados haviam votado de forma simbólica - quando todos os partidos estão de acordo com o tema - um projeto de lei, enviado pelo governo, que acabava com a isenção de impostos sobre a folha de pagamentos de vários setores da economia. O consenso só foi possível porque o relator do projeto, deputado Orlando Silva (PC do B-SP), havia incluído em sua proposta a isenção desses dois tributos sobre o diesel.

Em entrevista a jornalistas no Palácio do Planalto para anunciar a trégua, o ministro Carlos Marun (Secretaria de Governo) diz, porém, que a desoneração de PIS-Cofins poderia ser discutida "em outro momento". Muitos caminhoneiros rejeitam o acordo e a paralisação prossegue no País.

O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann chega a afirmar, nesse mesmo dia, que há indícios de "locaute" no movimento, ou seja, de influência ou apoio das empresas do setor na paralisação, uma prática proibida na legislação brasileira. A Polícia Federal anuncia o início de uma investigação a respeito. E a Força Nacional reforça a atuação da Polícia Rodoviária Federal (PRF) para liberar estradas.

25/05 (sexta-feira, 5º dia) - Temer aciona militares para desbloquear vias e tem aval para multar manifestantes

O presidente Michel Temer diz ter acionado "forças federais para superar os graves efeitos da paralisação", garantindo a livre circulação nas estradas e o abastecimento. Um decreto é publicado após as 21h dando poder de polícia às Forças Armadas em todo o país até o dia 4 de junho. É a primeira vez que uma operação GLO (de Garantia da Lei e da Ordem), como é chamada, terá abrangência nacional e não apenas em Estados e municípios específicos.

O Ministério da Defesa afirma que os militares atuariam para "garantir a distribuição de combustíveis nos pontos críticos", fazer "a escolta de comboios, proteger "infraestruturas críticas" e desobstruir as vias próximas a refinarias de petróleo e centros de distribuição de combustíveis.

O decreto, na prática, os autorizava a desbloquear rodovias federais e, eventualmente, estradas estaduais e municipais, se solicitados por governadores e prefeitos. A ação, no entanto, poderia ir mais longe. O governo poderia passar a "requisitar" temporariamente os caminhões que estivessem parados nas pistas; e a colocar integrantes das Forças Armadas ou da PRF atrás do volante para levar os veículos até a garagem dos donos ou ao destino da carga.

No começo da noite, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu aval à remoção de manifestantes que estivessem bloqueando vias ou protestando nos acostamentos das pistas. Também autorizou a aplicação de multas de até R$ 10 mil para os que fizessem bloqueios e de R$ 100 mil para entidades que organizassem esse tipo de ação.

26/05 (sábado, 6º dia) - Governo afirma que situação 'começa a se normalizar'

Os ministros Raul Jungmann, da Segurança Pública, e Sérgio Etchegoyen, do Gabinete de Segurança Institucional, afirmam, já à noite, que a situação no país "começa a se normalizar", com o reabastecimento de aeroportos e o início da desobstrução de estradas, mas ainda sem um prazo claro para todo o abastecimento voltar ao normal.

Segundo eles, não seria possível traçar um prognóstico de quando o quadro começaria a se regularizar nos transportes, na entrega de cargas e nos postos de gasolina.

Em diversas cidades do país, escoltas das forças de segurança são usadas para abastecer frotas de ônibus e ambulâncias, mas postos de gasolina continuavam, em sua maioria, sem combustível para a população.

27 05 (domingo, 7º dia) - Acordo para o fim da greve é fechado. Abcam pede que caminhoneiros voltem ao trabalho, mas paralisação continua

Após reunião realizada na Casa Civil, a Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam) decide assinar acordo com o Governo para pôr fim às paralisações dos caminhoneiros autônomos.

A associação afirma que a categoria conseguiu ser atendida em diversas reivindicações, que considera o acordo assinado "como uma vitória" e pede, em nota publicada no site, a todos os caminhoneiros que voltem ao trabalho.

A paralisação, no entanto, continua.

Manifestantes bloquearam acesso à refinaria Reduc, no Rio de Janeiro
 
Manifestantes bloquearam acesso à refinaria Reduc, no Rio de Janeiro
Foto: AFP / BBCBrasil.com

28/05 (segunda, 8º dia) - Desabastecimento atinge mais de 90% dos postos em alguns Estados

Os reflexos da greve nos postos de combustíveis são percebidos em diversos Estados. Levantamento da Fecombustíveis mostra que 90% ou mais dos postos estão sem produtos para venda ao consumidor na Bahia, no Distrito Federal e em Minas Gerais. Em outros Estados, escoltas policiais e militares, além de decisões judiciais, ajudam a garantir ao menos parcialmente o abastecimento.

O Ministério Público Federal (MPF) emite ofício pedindo esclarecimentos ao Gabinete de Intervenção Federal (GIF) no Rio diante da continuidade das restrições impostas por manifestantes à entrada e saída de caminhões-tanque na Refinaria de Duque de Caixas (Reduc), na Baixada Fluminense - que atende a mercados como Rio, São Paulo, Espírito Santo, Minas Gerais e Bahia fornecendo óleo diesel, gasolina, querosene de aviação e outros produtos.

Após uma visita ao local, o procurador federal Julio José Araujo Junior envia ao general Walter Braga Netto, interventor na área da Segurança Pública no Rio, um pedido de informações sobre quais medidas estão sendo tomadas para acabar com as obstruções que persistem na área, "mesmo após o anúncio de acordo" do presidente Michel Temer com entidades sindicais.

"Estamos cobrando informações no sentido de que haja uma atuação efetiva que garanta os serviços essenciais. Estamos falando de uma área estratégica. É preciso uma atuação firme e incisiva para garantir que todo o abastecimento seja feito", afirma.

De acordo com a Secretaria de Segurança do Rio, o número de caminhões-tanque que saíam escoltados da Reduc estava aumentando, mas até aquele momento só estavam trabalhando os que atenderiam a serviços essenciais, como hospitais, ambulâncias e serviço militar.

Com a greve dos caminhoneiros, consumidores fazem fila para abastecer veículos e passaram a pagar mais caro em alguns estalecimentos
 
Com a greve dos caminhoneiros, consumidores fazem fila para abastecer veículos e passaram a pagar mais caro em alguns estalecimentos
Foto: Reuters / BBCBrasil.com

29 /05 (terça, 9º dia) - Greve perde força e denúncias de consumidores sobre cobranças abusivas nos postos disparam

O país ainda registra 616 pontos de concentração de motoristas nas estradas, mais do que no dia anterior, quando o número estava em 556, aponta levantamento da Polícia Rodoviária Federal fechado às 18h. Apenas em três desses pontos, no entanto, o trânsito permanecia bloqueado. Segundo a PRF, o número de protestos havia crescido, mas a quantidade de caminhões parados em cada um deles havia diminuído. A greve dava mostras de que estava perdendo força.

O abastecimento também começava a ser normalizado em aeroportos e postos de combustíveis.

Para os consumidores, um dos efeitos atribuídos à paralisação continuava a ser sentido no bolso: eram os preços dos combustíveis, que segundo Procons e a própria Fecombustíveis admitiu, foi elevado "de forma oportunista" por uma parte do setor que se valeu da escassez do produto para aplicar reajustes "abusivos".

Queixas sobre aumentos repentinos ou exorbitantes, por exemplo, foram registrados pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) em ao menos 22 estados e no Distrito Federal. Foram 365 denúncias desde quinta-feira da semana passada e mais da metade delas estavam concentradas em São Paulo. Apenas no Procon paulista, entretanto, as reclamações já passavam de 2,5 mil.

Diante da situação, os órgãos de defesa do consumidor intensificaram a fiscalização e passaram a pedir explicações, aplicar multas milionárias e até a interditar estabelecimentos. Falta de transparência nos preços e aumentos sem justificativa estavam entre os problemas identificados.

30/05 (quarta, 10º dia) - Forças de segurança atuam para desmobilizar manifestantes e abastecer o carro ainda é difícil

A atuação das Forças Armadas e da PRF eliminou praticamente todos os pontos de concentração de caminhoneiros nas estradas, mas a normalização ainda caminhava a passos lentos nas cidades.

Nos postos de combustíveis, o abastecimento começava a voltar, mas em algumas áreas isso ainda ocorria de forma parcial, com a ajuda de escolta e por força de decisões judiciais.

Em levantamento divulgado no início da tarde, a Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e Lubrificantes (Fecombustíveis), que representa os sindicatos patronais e os interesses de cerca de 40 mil postos revendedores de combustíveis no país, aponta casos de "muita fila" para abastecer, de incerteza em relação à duração de estoques e de contingenciamento por parte das distribuidoras, para que o maior número possível de estabelecimentos seja contemplado.

Agravando as dúvidas sobre o setor, os petroleiros iniciaram uma greve de 72 horas contra a nova política de preços da Petrobras - a Justiça do Trabalho julgou a paralisação como ilegal, mas os trabalhadores mantiveram a decisão de cruzar os braços.