Esta breve reflexão tenta descobrir se o direito constitucional de manifestação do pensamento se aplica aos policiais federais na sua vida privada, ou se o regime jurídico profissional aplicado a esses servidores públicos civis, criado no auge da ditadura militar, ainda é aplicável à vida particular de milhares de cidadãos brasileiros, hoje atormentados por episódios que lembram as perseguições políticas comuns aos regimes de exceção.
Os agentes, escrivães e papiloscopistas da Polícia Federal estão desmotivados, e possuem as mais legítimas razões para assim se sentirem. Com salários congelados há seis anos, não possuem perspectiva profissional, lamentam os cortes de investimentos no órgão, o índice alarmante de doenças, a crescente evasão de profissionais, e suas atribuições de nível superior, exercidas há décadas, não são reconhecidas por um governo que sarcasticamente cita seu trabalho como marketing eleitoral.
Portanto, é natural que surjam duras críticas, pensamentos e reflexões, em simples conversas, debates ou até discussões em ambientes privados, externos ao local público de trabalho e estranhos às relações profissionais, muitas vezes em contextos associativos ou sindicais.
Mas o que fazer quando as instâncias disciplinares da Polícia Federal, monopolizadas pelo cargo que também monopoliza a administração do órgão, alvo das críticas, uniformizam entendimento de que devem censurar as manifestações de pensamento do policial na sua vida privada, promovendo a punição das pessoas que externam ideias consideradas ofensivas à administração, seus interesses políticos e seu regime jurídico?
Ora, o cargo de censor da Polícia Federal foi extinto, e o regime jurídico dos policiais federais serve para regular o ambiente profissional, e não a vida privada de cidadãos brasileiros que vivem hoje numa democracia.
Caso contrário, nenhum policial federal poderia representar contra alguma ilegalidade, pois sua representação caracterizaria uma “manifestação depreciativa aos atos da administração”, uma das figuras típicas que sujeitam o servidor à punição quase certa pelas instâncias disciplinares de um órgão que resiste à modernização e, sobretudo, à democratização e humanização.
Outro exemplo da anômala aplicação de regime jurídico profissional à vida privada dos servidores é a censura de manifestações em redes sociais, ou até em grupos privados de mensagens eletrônicas. Assusta perceber que um cidadão brasileiro, ao ingressar numa carreira pública de natureza civil, não poderá num ambiente privado externar a sua opinião sobre sua própria vida, sua carreira profissional e seu ambiente de trabalho, pois existe uma lei criada em 1965 que censura suas manifestações privadas.
O regime jurídico de trabalhadores não tem o condão de censurar a expressão do pensamento de cidadãos brasileiros em sua vida particular, e deve respeitar as garantias fundamentais declaradas na nossa Constituição.
Limites ao manifestar são impostos, como a vedação ao anonimato, e os excessos são puníveis na seara penal ou cível, quando caracterizadas a calúnia, a injúria, a difamação ou o dano proveniente da conduta ilícita. E por que não são puníveis na seara administrativa? Porque dizem respeito à vida privada da pessoa. Meio óbvio, não?
É um retrocesso censurar a vida privada de servidores públicos que externaram críticas à administração pública em ambientes particulares. A supremacia da Administração Pública se justifica obviamente em suas relações de natureza pública, e não como fundamento para corromper a essência de um estado democrático de Direito.
A Lei n. 4878/65 deve ser aplicada conforme a Constituição. Paradoxalmente, o arcabouço jurídico criado para estruturar a atuação da Polícia Federal na época da ditadura, hoje é utilizado na direção oposta, contra seus policiais, que vindos das mais diversas universidades, entram em choque com um sistema repressivo, burocrático e antidemocrático, criado para reprimir.
Censura nunca mais!