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01/08/2015

Policial investiga desde 2005 o furto de R$ 164,8 mi do Banco Central no CE

Durante as investigações do furto ao Banco Central de Fortaleza, que completa dez anos na próxima quarta (5), um agente da Polícia Federal disfarçado manteve um relacionamento amoroso com uma familiar de Antônio Jussivan Alves dos Santos, o Alemão, um dos chefes do bando. O objetivo era descobrir seu paradeiro –ele foi preso em 2008.

O disfarce foi revelado pela Folha em 2010. Com a ressalva de preservar sua identidade, o agente de 41 anos falou à reportagem. Uma década após o furto, 133 pessoas foram denunciadas, 94, condenadas, 30, presas e 5 estão foragidas. A Justiça estima que, dos R$ 164,8 milhões levados, de R$ 30 milhões a R$ 60 milhões tenham sido recuperados.

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Uma vez ouvi uma autoridade dizendo que o furto ao Banco Central tinha sido espetacular. Pode ter sido, mas dez vezes mais espetacular foi o trabalho dos agentes da Polícia Federal. Dá um livro.

O furto aconteceu numa sexta-feira [5 de agosto de 2005] e só foi detectado na segunda [8]. Na terça-feira [9], uma equipe estava montada.

Durante cerca de quatro ou cinco anos, se você me perguntasse qual era o nome do ladrão que roubou a padaria da esquina da minha casa, eu não saberia dizer, porque nesse período a gente só fez isso. Eu não chamaria de investigação. Chamaria de caçada.

O José Marleúdo [de Almeida, que cumpre pena de 21 anos e seis meses], cunhado do Alemão [Antônio Jussivan Alves dos Santos, um dos chefes do bando], passou dois anos na mata, por exemplo.

A gente o prendeu quando ele voltou para a civilização. Ele estava jogando sinuca num boteco de Mossoró (RN). A gente se aproximou, e eu o tratei pelo nome. Quando me identifiquei, ele desmaiou.

Fizemos um trabalho muito silencioso. A maioria das prisões foi cirúrgica, como em Mossoró. Chegava todo mundo de bermuda, dava voz de prisão e ia embora. Talvez seja uma das explicações para o sucesso do trabalho.

Dois criminosos que a gente nunca conseguiu pegar foram para a zona rural [hoje, são cinco foragidos]. Eles perceberam que os colegas estavam sendo pegos facilmente. Na zona rural é mais difícil porque eles conhecem o terreno mais do que a gente.

Fizemos três incursões em dois anos para pegar um deles e perdemos as três. Por quê? Nesses lugares, as pessoas são muito simples. Eles arregimentam como informantes os vizinhos que são simpáticos e eliminam os que representam algum perigo.

Se você pegar as estatísticas de homicídio sem autoria em Boa Viagem (CE), onde alguns se esconderam, vai ver que, especialmente em 2007, tem vários homicídios sem autoria na região. Não é à toa.

Mas não tenho dúvidas de que uma hora os foragidos vão cair. Se até eu me aposentar a minha equipe não pegar, a Polícia Federal continua.

Investigar é nossa obsessão. Todo dia quando acordo penso em dois grupos de pessoas: as que nós já prendemos e as que vamos prender.

Entrei em 2001 na Polícia Federal. Era um discreto professor de português e, pouco antes, fui cobrador de ônibus.

Tenho aversão a entrevistas por questão de sobrevivência. Quero sair vivo da polícia, e só faltam 15 anos. Se depender de vocês jornalistas [que querem publicar detalhes da investigação], o colega que for tentar [se infiltrar] será morto na entrada.

Em 2010, a Folha publicou que eu tinha jeito de galã [ri]. Obrigado, mas não me considero um galã. Nasci no Piauí. Sou o típico nordestino.

A gente tem restrições em divulgar as técnicas porque as pessoas que praticaram o furto não são criminosos comuns. Não estavam ali por problemas sociais. São profissionais. E, querendo ou não, esse tipo de técnica desperta raiva em quem caiu nela.

Não posso dizer que fiz assim ou assado [na infiltração] porque ultrapassaria o aspecto ético do meu trabalho. Há várias pessoas envolvidas e preciso preservá-las.

Agora, dez anos depois, mesmo os que foram condenados às penas mais altas vão ter o direito de responder em regime aberto. Alguns já estão na rua. Será um reencontro, porque essas pessoas vão cometer crimes de novo.

Os erros que eles cometeram eles já sabem. Fizeram um planejamento espetacular até botar a mão no dinheiro. Mas não se programaram para gastar esse dinheiro.

Deixaram muitos rastros. Um dos criminosos foi jogar R$ 3 no bicho na esquina, deu R$ 50 e não quis o troco. Não percebeu que instituiu a principal testemunha contra ele.

A avaliação do nosso trabalho é positiva. Quando deixamos o Alemão no presídio, filmamos a entrada dele com interesse pedagógico: que os garotos vissem e não achassem que assaltar é bonito, no sentido hollywoodiano.