Os bastidores da investigação da Operação Lava Jato lançada pela superintendência da PF no Paraná revelaram um aspecto sombrio do trabalho policial. Fazer polícia, como é dito pelos apaixonados pela profissão, requer confiança mútua. Mas esta não pode ser absoluta. Nenhum de nós deve cumprir uma ordem sem questionar a legalidade da execução da missão, por mais simples que ela pareça. Uma pergunta deve estar a todo momento na cabeça: Se algo der errado, quem responderá por eventual irregularidade? . As chefias se negarão a assinar uma ordem que elas saibam estar revestida de ilegalidade? Esta foi a questão que ficou do episódio que veio à tona recentemente.
Entretanto, agora, é fácil escrever isto. Quero ver você aí atrás do computador ou do celular, policial com 32, 15 ou 5 anos de experiência, questionar uma ordem do superintendente regional, chefe da PF no Estado do Paraná e de três delegados da força tarefa da Lava Jato e imaginar que utilizem tais mecanismos escusos.
Em 02 de julho de 2015, o Agente da PF Dalmey Werlang afirmou à CPI da Petrobrás que instalara dois grampos sem autorização judicial na sede da PF em Curitiba: um no fumódromo e outro na cela que seria ocupada pelo doleiro Alberto Youssef, um dos alvos chave da Lava Jato. A ordem foi determinada, conforme depoimento de Werlang prestado ao delegado Mário Renato Castanheira Fanton, em 04 de maio de 2015, pelos delegados Rosalvo, Igor Romário e Márcio. O termo de depoimento colhido pelo delegado Fanton, que é lotado na delegacia da PF em Bauru/SP, teria ocorrido sem formalização e já com o seu afastamento do inquérito sigiloso, que apurava crimes relacionados à investigação. Este afastamento do delegado Fanton é curioso. Basta perceber que o depoimento de Werlang foi colhido no hotel em que Fanton estava hospedado. O que leva a crer que ele passou, por algum motivo, a não ser bem-vindo na superintendência de Curitiba.
O Agente Werlang afirma que somente soube da ilegalidade da instalação dos aparelhos de escuta pelo delegado Igor Romário de Paula ao voltar de missão policial em Minas Gerais. Igor foi até a sala de Werlang para tratar do assunto da descoberta das escutas instaladas nas celas. Werlang, então, perguntou se havia “alvará para aquela situação”. O delegado respondeu: “Pior que não”.
Quando a descoberta das escutas pelo doleiro Alberto Youssef estourou na mídia, mais precisamente, em 10/04/2015, em matéria veiculada pela revista Veja, a assessoria de imprensa da PF publicou nota no dia seguinte em que afirmava que somente após revista realizada pelos agentes, os advogados protocolaram acusações na justiça federal, uma hora depois do ocorrido. E que “A PF esclarece que não realiza escutas clandestinas”. No dia 18/05/2015 o jornal Estado de S. Paulo publica matéria intitulada “Procuradores alertam para falsas nulidades na Lava Jato”.
A partir desta repercussão imaginemos o desespero de ambos os lados. A tentativa de abafar o caso fracassara. O agente preocupado com as implicações disciplinares e criminais de sua conduta, talvez putativa, e seus chefes apenas preocupados em não detonar as investigações e suas carreiras.
Eis que, em agosto, os delegados que determinaram a escuta ilegal, segundo depoimento do APF Werlang, representaram por calúnia o próprio e, ainda, o delegado Fanton, que tomara o depoimento “informal” de Werlang, ou seja, os dois policiais teriam atribuído aos delegados Rosalvo Ferreira Franco (SR), Igor Romário de Paula, Márcio Adriano Anselmo, Erika Mialik Marena, Daniele Gossenheimer Rodrigues e Maurício Moscardi Grillo condutas definidas como crime. O MPF concordou com a representação e ofereceu denúncia à justiça federal. Em 11/08/2015 houve a distribuição do feito. E apenas quatro dias depois o jornal Estado de S. Paulo publicou matéria a respeito.
Anexas à representação criminal, juntaram duas supostas provas: uma carta sem assinatura destinada ao procurador da república Januário Paludo, com descrição de fatos e pedido de orientações; imagem de tela de celular atribuída ao delegado Fanton com mensagem em que descreve fatos criminosos e afirma “estar em Brasília para relatar tais fatos aos diretores”.
O juiz federal Danilo Pereira Júnior rejeitou a denúncia oferecida pelo ministério público federal por ausência de justa causa para o exercício da ação penal e considerou as provas inúteis como meios para demonstrar o cometimento de calúnia.
O magistrado considerou que os documentos indicam que, “se é que os réus de fato agiram, o que fizeram foi levar ao conhecimento da autoridade Procurador da República e Diretores da Polícia Federal fatos considerados por eles como caracterizadores de crime. E assim, teriam incorrido no tipo específico do artigo 339 do Código Penal: dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente .
Em nome da preservação da investigação que revelou “o maior esquema de corrupção do País”, até agora não há confirmação se existem investigações que apuram a responsabilidade dos delegados que teriam determinado a instalação das escutas clandestinas e se há resultado. O diferente, neste caso, é que um delegado federal foi representado por calúnia por tentar fazer seu trabalho, ouvir os dois lados e informar seus superiores.
Aos dissidentes, assim nominados pelo MPF, não cabe determinar a verdade dos fatos, como numa ditadura. O que valeu até agora foi a posição dos poderosos em detrimento do Estado Democrático de Direito. Esta é a Polícia Federal Republicana tão alardeada, mas somente por quem não conhece seus calabouços. Aparentemente, na mais alta corte da PF em Brasília, restou sepultado o assunto. Arquivando-se uma sindicância instaurada para não apurar a verdade dos fatos. Basta lembrar que, segundo relatado na CPI, o grampo que afirmaram estar na cela para acompanhamento do preso Beira-mar só chegou ao Paraná seis meses depois.
Fonte: SINDIPOL/DF