Leitura

08/11/2015

"O custo ministro" do TCU

Assim que teve seu nome associado à Operação Zelotes, que apura fraudes no conselho encarregado de julgar recursos contra multas tributárias, o Carf, o ministro Augusto Nardes, do Tribunal de Contas da União (TCU), correu para se defender. Rechaçou qualquer ligação com as irregularidades e informou que, em maio de 2005, portanto antes de assumir o cargo na corte de contas, desfizera a sociedade que mantinha com um sobrinho na empresa de consultoria investigada pela Polícia Federal por suspeitas de participar da quadrilha acusada de fraudar o Carf. A empresa em questão, denominada Planalto Soluções e Negócios, segundo as investigações, recebeu valores da SGR Empresarial, pertencente ao advogado José Ricardo da Silva e contratada por contribuintes para derrubar multas do Fisco.

COMPLICOU
Para a PF, justificativas do ministro do TCU, Augusto Nardes, não se sustentam

Apesar do discurso do ministro, os procuradores da Zelotes enviaram o caso ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, após autorização da Justiça Federal. Para eles, Nardes está envolvido. Entre os documentos em poder de Janot, há um papel manuscrito, obtido com exclusividade por ISTOÉ, que reforça as convicções entre os investigadores sobre o possível participação do ministro do TCU. Trata-se de uma anotação avulsa recolhida em São Paulo, na casa do advogado Edison Pereira Rodrigues, ex-presidente do Carf e ligado à SGR Empresarial. O documento mostra que seu autor incluiu o que chamou de “custo ministro” ao fazer cálculos sobre uma prestação de serviço cujo resultado final é “R$ 2.556.974”. Para os investigadores é uma referência a Nardes.

Eles chegaram a essa conclusão ao cruzar o documento com outros achados da Operação Zelotes. Em mensagem enviada a pedido do advogado José Ricardo, da SGR, em 24 de fevereiro de 2012, a secretária Gegliane Bessa apresentou ao patrão um balanço sobre pagamentos feitos a pessoas identificadas como “Ju” e “Tio”. Para a PF e para a procuradoria, a secretária fazia alusão a Augusto Nardes e ao sobrinho Carlos Juliano, sócio do ministro na Planalto Soluções e Negócios. Gegliane disse no e-mail que repassou ao “Tio” R$ 1.650.000 entre 2011 e 2012, e outros R$ 906.974 a “Ju” no mesmo período. Os valores somam os exatos R$ 2.556.974 identificados no manuscrito como “custo ministro”.

01.jpg
Anotação que diz que 'custo ministro' é de R$ 2.556.974 faz referência
a Augusto Nardes, de acordo com a PF. Valor é idêntico ao revelado
em email pela secretária da SGR Empresarial, contratada
por contribuintes para derrubar multas do Fisco

Em depoimento à CPI do Carf, instalada no Senado, Gegliane confirmou a existência da planilha com as inscrições “Tio” e “Ju”, mas desconversou ao ser questionada sobre quem seria o “Tio”. A secretária contou aos senadores que entregou “duas ou três vezes” valores a Juliano e que, numa dessas ocasiões, ao abrir o envelope e contar o dinheiro, o rapaz teria reclamado: “Está faltando”. Lidar com dinheiro em espécie parecia ser uma prática recorrente, segundo revelaram os autos da Zelotes. Numa mensagem do dia 17 de janeiro de 2012, identificada como “Notícia e pedido”, José Ricardo recomendou a Gegliane que separasse R$ 100 mil em dois envelopes: “Coloque em dois envelopes brancos grandes, com 50 em cada um”. No mesmo e-mail, José Ricardo expôs um desentendimento com Juliano. “Eu disse a ele que se tivessem insatisfeitos que viessem brigar comigo e não destratassem meus funcionários!”. Num outro e-mail apreendido, Edison Rodrigues, dono do imóvel onde a anotação foi encontrada pela PF e parceiro de negócios de José Ricardo, disse a um interlocutor que garantiria a uma empresa “95%” de chances de sair vitoriosa em processo para reduzir ou anular multas da Receita. 

Agora, a PF e a Procuradoria dedicam-se a decifrar toda a rede de facilitadores que assegurava ao grupo taxa de sucesso tão expressiva. Investigadores acreditam que a contabilidade informal listada no manuscrito esteja relacionada a serviços prestados pelo escritório SGR a um grupo de comunicação. As contas partem sempre de R$ 12,8 milhões, montante próximo ao que ao que foi repassado pelo grupo de comunicação à SGR por sua atuação junto ao Carf. A referida empresa conseguiu reduzir multas aplicadas pela Receita.

Como integrantes do TCU têm a prerrogativa de foro, o caso envolvendo Nardes tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), sob a responsabilidade da ministra Carmén Lúcia. Procurado pela reportagem, o ministro do TCU informou que ainda não teve acesso aos autos do processo no Supremo. Autor do parecer que resultou na rejeição das contas do governo federal de 2014, Nardes reafirmou que “abriu mão dos direitos de acionista da empresa Planalto Soluções e Negócios S.A ao se desligar dela em 2 de maio de 2005, antes mesmo de assumir a vaga no Tribunal de Contas da União. Dessa forma, por nunca ter ocupado cargo de direção na empresa, não pode responder por seus atos.” Ele enviou cópia da ata que registrou seu desligamento da empresa em que foi sócio com o sobrinho Juliano. Para os investigadores, o ministro do TCU tem muito mais a explicar.

A ZELOTES E O TRIBUNAL DE CONTAS

*A Operação Zelotes, da Polícia Federal, apura um esquema de venda de sentenças no Carf, o conselho encarregado de julgar recursos contra multas aplicadas pela Receita Federal. O caso envolve lobistas, políticos, escritórios de advocacia e grandes empresas

*A PF identificou ligação de um escritório investigado com a Planalto Soluções e Negócios, da qual o ministro Augusto Nardes, do Tribunal de Contas da União (TCU), foi sócio até 2005. Um sobrinho de Nardes, Carlos Juliano, tem ligação com a empresa

*A Planalto Soluções e Negócios recebeu valores da SGR, que tem entre seus sócios o advogado José Ricardo da Silva, acusado pela polícia e pela procuradoria de participar do esquema ilegal. As transferências ocorreram entre 2011 e 2012 e somam, de acordo com o inquérito, R$ 2,5 milhões

*Existem nos autos referências ao ministro Nardes e, numa avaliação dos policiais federais e procuradores, são necessárias novas diligências para que elas sejam esclarecidas. Essa parte da apuração está sob a responsabilidade do Supremo Tribunal Federal.

Fonte: Revista Istoé