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02/03/2016

Polícia Federal tem de 'apenas investigar de forma isenta', diz presidente

São Paulo – A Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), com sede em Brasília, manifesta preocupação "ante as notícias veiculadas sobre os motivos da demissão" do ex-ministro José Eduardo Cardozo da pasta da Justiça. Em nota, a entidade afirma que as preocupações se devem a dois fatores: as "posições do ministro demissionário contra a interferência externa (política) e interna (grupos de poder ligados a partidos políticos) nas investigações da PF" e porque a saída de Cardozo "pode representar uma ameaça ao debate sobre a estruturação da carreira do PF".

Em outro comunicado oficial, a entidade parabeniza o novo ministro, Wellington César Lima e Silva, que na segunda-feira (29), Lima e Silva procurou passar a mensagem de que não haverá mudanças na atuação da PF. "As instituições no Brasil estão maduras ao ponto de não sofrerem variações com mudanças dos atores. A Polícia Federal continuará com seu trabalho como vem desenvolvendo até hoje", disse. O novo ministro, que será empossado no cargo amanhã (3), sinalizou ainda que diretor-geral da PF, Leandro Daiello, permanece no cargo.

O presidente da Fenapef, Luís Antônio de Araujo Boudens, diz que, apesar das preocupações com a saída de Cardozo, com quem mantinha negociações para a reestruturação do plano de carreira da PF, acredita que esse processo avance com Lima e Silva. Segundo ele, o problema não é o novo ministro. "A forma como o ministro saiu é mais importante do que a sua saída."

Boudens – agente especial da Polícia Federal, onde exerceu atividades de Inteligência por 14 anos – diz que a entidade considerou grave as manifestações públicas de policiais e delegados "contrários a partido, a presidente, a ex-presidente", em referência a postagens feitas no processo eleitoral de 2014, em redes sociais, contra a petista Dilma Rousseff e a favor do tucano Aécio Neves. "(Na época) Isso nos preocupou, porque mostrou uma disposição política de quem tem de estar incumbido apenas de investigar, de forma isenta."

Segundo ele, "o mais prudente na época, para o Brasil, já que se manifestaram e tinham uma posição política, seria se afastar, para que não se maculassem as investigações".

Leia a entrevista de Boudens à RBA

Haveria hoje, na opinião da Fenapef, interferências políticas nas investigações? Segundo algumas opiniões, Cardozo não exercia comando e, para outros, ele não tem tanto poder sobre a Polícia Federal quanto se imagina.

Temos ao longo do tempo acompanhando as operações e a divulgação da imprensa, colhemos relatos de vários filiados pelo Brasil, inclusive os de Curitiba (sede da operação Lava Jato). Uma coisa que nos chamou a atenção foi aquela divulgação via Facebook por alguns delegados, ligados à Lava Jato inclusive, se manifestando contrários a partido, a presidente, ex-presidente.

Isso nos preocupou, porque mostrou uma disposição política de quem tem de estar incumbido apenas de investigar, de forma isenta. Levamos ao ministro da Justiça e ao próprio diretor-geral como preocupação da federação.

Nós não entendemos como uma interferência, mas como uma vontade além daquela condição de investigar, precípua do investigador. Não se pode macular a figura do investigador.

Fora isso, já tivemos várias tentativas de interferência, de forma direta e indireta. As indiretas aconteceram mais, na nossa perspectiva, como corte orçamentário, redução das equipes de investigação.

No início das investigações os agentes fazem um cadastro. Ali foi inserido um campo, criado para que você clicasse quando o investigado fosse autoridade, um campo amplo para preenchimento. O que era autoridade, segundo o entendimento de quem solicitou inclusão daquele item para preenchimento de cadastramento de operações no sistema interno? Para a polícia, em tese, não importa quem está sendo investigado.

A saída de Cardozo pode representar uma ameaça ao debate sobre a reestruturação da carreira da Polícia Federal?

O ministro, durante muito tempo, se manteve alheio, até com uma certa dose de omissão, às questões que eram apresentadas a ele pelos representantes das associações e da federação.

Por ele ser advogado, ter formação jurídica e ser professor, quando ele teve acesso ao conteúdo das nossas propostas, principalmente sobre modernização do modelo de investigação, mais ou menos nos moldes do FBI, com a via única de entrada (nos quadros da PF), capacitação, conceito de meritocracia que atendam à boa administração pública, o ministro se voltou mais a propor essas questões.

Hoje o modelo de investigação é muito cartorializado, burocrático demais, e ocupa muitos policiais em funções burocráticas, policiais que poderiam estar atuando diretamente nas investigações.

Fizemos também proposta na reestruturação de carreira. Isso tudo vai ficar prejudicado, num primeiro momento, porque o processo já estava iniciado (por Cardozo). Mas, pelo fato de o novo ministro ser oriundo do Ministério Público, entendemos que pode ser que avance, passado algum tempo.

Durante as discussão da PEC 37, os policiais federais se aliaram às entidades representativas do Ministério Público para combater a forma como a PEC estava sendo apresentada, restritiva do poder de investigação de vários órgãos.

Sobre a preocupação com as manifestações nas redes sociais em 2014, como o senhor avalia as acusações, por parte de advogados e de investigados, de que existe politização, abuso, vazamento seletivo de informações?

A manifestação pública de policiais e delegados, naquele caso específico, tomando uma posição político-partidária, nós vimos como grave. Fizemos a denúncia interna para que fosse investigado. O mais prudente na época, para o Brasil, já que se manifestaram e tinham uma posição política, seria se afastar das investigações, para que não maculassem os trabalhos. Mas como isso não aconteceu e aqueles delegados foram mantidos, todo o processo na sequência ficou passível desse tipo de análise.

Agora, com essa recente agenda nova do ministro em relação à discussão do modelo e da reestruturação da carreira do policial federal, acontece uma saída brusca de um ministro, inesperada, num momento crucial de retomada dos trabalhos no Congresso com atividades da Operação Lava Jato.

Cria um ambiente de desconfiança nossa, policiais, daí nós entendermos que a forma como Cardozo saiu é mais importante do que a saída desse ministro e a entrada de um novo.

Por ser um integrante do MP, ter ideias convergentes com as nossas, temos uma expectativa boa em relação ao novo ministro, mas a forma de saída do anterior causa preocupação a todos os policiais federais, agentes e delegados.

A Fenapef é a favor do controle externo da PF pela sociedade civil, como defendem alguns juristas de renome?

Há um controle externo, feito pelo Ministério Público Federal, uma atividade constitucional. Ele fiscaliza as investigações feitas na Polícia Federal, como o Ministério Público estadual faz das polícias civis. Isso é desnecessário, porque o MP já teria que fazer esse trabalho de controle ao se aproximar da investigação. Não tem nenhuma razão de ser se afastar do trabalho policial para depois fiscalizá-lo.

Nos países mais modernos, até no Chile, aqui perto, o MP trabalha próximo à polícia. Em geral a gente entende que um controle feito pelo MP nem deveria existir, porque polícia e MP em todos os lugares do mundo trabalham em conjunto.

Independentemente do controle do Ministério Público, a Fenapef seria a favor de um controle externo pela sociedade civil?

Nós não vemos problema que a atividade de investigação policial seja controlada. Isso faz parte da transparência. É claro que algumas informações devem ser preservadas no percurso da investigação, por motivos óbvios. Mas o controle da atividade, a transparência, isso deve existir não só para a Polícia Federal, mas para qualquer órgão público.

 
 

Fonte: Rede Brasil Atual