Como todos os demais humanos que emitem opiniões, jornalistas são sujeitos à lei das consequências indesejadas: fazer uma coisa com um objetivo e conseguir um efeito exatamente contrário ao planejado.
Foi isso que aconteceu com a entrevista do jornalista americano Glenn Greenwald com o ex-presidente. Apesar da simpatia pelo entrevistado, declarada na abertura do vídeo, e perguntas feitas para “levantar a bola”, como se diz no jargão do jornalismo sobre perguntas feitas por entrevistadores amigos, Greenwald conseguiu tirar do ex-presidente interessantes respostas.
Quais seriam, por exemplo, os motivos que levam parlamentares a favorecer o impeachment da presidente? “Insanidade mental”, responde ele. Mais adiante, repete que “alguns brasileiros” estão sofrendo de insanidade mental, a explicação mais evidente para um ato de loucura como defender a abertura do processo de impedimento contra uma chefe de governo que, evidentemente, “não cometeu nenhum crime”.
Mas há outras, claro. Greenwald, que mora no Rio de Janeiro, se declara “chocado” com a imprensa brasileira e desfia uma série de acusações. Surpresa, surpresa, o ex-presidente concorda. E explica como ele pretendia colocar a imprensa para fazer só coisas boas e belas, mas foi impedido. Deve ter sido por aqueles mesmos que hoje reincidem na insanidade mental.
Greenwald é o mais conhecido jornalista que divulgou o levantamento feito por Edward Snowden, ex-funcionário da CIA e ex-prestador de serviços como especialista em monitoramento digital radicado no Havaí, sobre os métodos de vigilância eletrônica da NSA, a agência americana que, como uma divindade internética, tudo ouve e tudo vê.
A entrevista dele com o ex-presidente foi para o site The Intercept, do qual ele é o principal colaborador. A publicação online é financiada por Pierre Omidyar, criador do eBay, o genial negócio de vendas particulares pela internet, com valor de mercado na faixa de 69 bilhões de dólares.
Omidyar nasceu na França, filho de pais iranianos, e depois acompanhou a família que mudou para os Estados Unidos. Começou a entrar para o ramo de bilionários aos 31 anos. Hoje está na faixa dos 7,1 bilhões de dólares. Sua base de operações na área de imprensa é no Havaí.
Em princípio, todos os jornalistas podem escorregar no “retorno do recalcado” ou do reprimido, um dos pilares clássicos da psicanálise que versa sobre o mecanismo de reaflomento de material enterrado nas profundezas do inconsciente. Por exemplo, uma correspondente estrangeira se sente magoada por críticas a seu trabalho na cobertura da crise no Brasil.
Para se vingar, a correspondente publica em seu jornal trechos de um artigo de quem a criticou totalmente não relacionado com o fato gerador inicial. Os leitores do jornal a surpreendem, elogiando de maneira consistente o artigo, ainda que revelado apenas em parte. Talvez, inconscientemente, fosse isso que ela desejasse.
Em outros trechos da entrevista a Greenwald, o ex-presidente diz que os problemas econômicos atuais do Brasil decorrem da crise de 2008, a da “marolinha”. Também responde “lógico, lógico, lógico” quando perguntado sobre o direito ao aborto. “Sou pela descriminalização”, declara ele em relação a drogas.
Mas é contra a lei anti-terrorismo recentemente aprovada. “Esse é um país em que as pessoas não têm o hábito do terrorismo”, diz. Poderia ser mais uma forma inconsciente de criticar sua sucessora? Parece que o retorno do recalcado anda solto por aí.