CartaCapital revelou na última edição uma ampla troca de mensagens entre delegados, agentes da Polícia Federal e integrantes do Ministério Público com Meire Poza, ex-contadora e braço direito do doleiro Alberto Youssef. Os diálogos e e-mails foram trocados entre maio de 2014 e setembro de 2015, durante o auge da Operação Lava Jato. As conversas tratam desde uma busca e apreensão armada para validar provas a informações confidenciais vazadas para a imprensa.
Os diálogos ainda revelam que parlamentares foram alvo das investigações no início de 2014, quando o STF não havia dado autorização para detentores de prerrogativa de foro serem investigados e que a cúpula da força-tarefa em Curitiba trocava mensagens sobre a segurança da contadora, tratada como uma espécie de agente infiltrada pelos investigadores.
Como benefício pelo trabalho, a contadora nunca foi indiciada pela Polícia Federal e denunciada pelo Ministério Público. CartaCapital teve acesso a novos diálogos com mais detalhes das conversas. Poza nega-se a prestar esclarecimentos à revista.
A contadora passou a contribuir com a força-tarefa no início de 2014, após a primeira fase da operação. No fim de abril, Poza trocou e-mails com o agente Rodrigo Prado a respeito de documentos apreendidos em poder de Youssef. Ela estava encarregada de tentar decifrar o significado de siglas e apelidos em uma tabela em posse do doleiro. Foi Poza quem esclareceu que “Leitoso” era Eduardo Leite, diretor da Camargo Corrêa.
Por consequência, Leite virou alvo da operação e foi condenado em julho do ano passado a 15 anos de prisão, mas vai cumprir apenas 24 meses em razão de um acordo de delação premiada.
Os diálogos revelaram que uma busca e apreensão foi armada para 1º de julho de 2014 entre o delegado Márcio Anselmo, o agente Prado e a contadora com o intuito de validar documentos que já haviam sido entregues por ela à força-tarefa.
Tratava-se de papéis das empresas de fachada de Youssef usadas para receber propina de construtoras investigadas na Lava Jato. O dinheiro era repassado a partidos e políticos ligados ao esquema. Um diálogo entre o delegado Eduardo Mauat e a contadora, de 20 de outubro de 2014, deixa claro que os agentes falavam com a contadora a respeito da devolução de parte desses objetos.
Durante a busca, um celular de Poza também acabou apreendido. A contadora questiona: “Boa tarde!! Alguma notícia do meu celular??” O delegado responde: “Hj foi complicado. Vejo amanhã, ok?” O diálogo a respeito da devolução do aparelho continua no dia 28. “Vc vão ficar chateada, mas tenho que te dar uma.ma notícia”, afirma Mauat. E continua: “Teu telefone vai ter que ficar apreendido....te explico qdo vc vier a Curitiba”.
O trabalho da informante rendia à força-tarefa informações privilegiadas, inclusive da defesa dos investigados. Em junho daquele ano, a contadora confidenciou à Polícia Federal que Youssef e o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa haviam decidido fechar suas delações premiadas.
Em uma das conversas com Prado, em 25 de junho de 2014, Poza diz ter sido informada por alguém próximo aos investigados de que os dois aguardavam apenas o retorno de férias do advogado do doleiro para avançar na discussão da colaboração com a Justiça.
“Hmmmmmmm... Tem uma boa... [Ela] disse que o Beto e o Paulo Roberto estão só esperando o Adv do Beto voltar de férias pra tentarem um acordo.” Os depoimentos da cooperação judicial do ex-diretor da Petrobras foram iniciados em agosto e os de Youssef, em outubro daquele ano.
O diálogo entre os dois continua. Poza diz que deverá se encontrar com Joana e pretende gravar a conversa. Trata-se de Joana Darc Fernandes Youssef, então esposa do doleiro. O agente responde: “Tenta gravar com teu telefone”. Mais tarde, ela volta a falar sobre o assunto com o delegado Márcio Anselmo.
Ele pergunta: “O q ela falou de bom”. Poza responde: “Ela contou coisas e eu tbm contei”. E acrescenta: “E ela vai nas construtoras cobrar”. O delegado fica intrigado: “Sério. Cobrar o que?” Meire explica que Joana iria até as construtoras UTC e Camargo Corrêa. A contadora explica as razões que levariam a então esposa do doleiro a procurar as construtoras, mesmo com o marido preso. “Disse que é por causa das filhas. E porque metade eh dela.” O delegado afirma: “Vai ser presa tb”.
Um e-mail trocado entre Prado e Poza em agosto de 2014 mostra que a função da contadora como infiltrada foi definida dentro da Polícia Federal. Na mensagem à informante, o agente anota: “Na reunião no térreo da PF, antes do seu primeiro depoimento, conversamos sobre isso. Que se fossemos frios e calculistas, seria muito melhor você infiltrada e nos passando informações. Mas deixamos claro que aquilo tinha que parar por causa da sua segurança”.
Mas a contadora Poza não ficou satisfeita com o tratamento da força-tarefa ao longo da operação. Em uma conversa com o procurador Andrey Borges de Mendonça, ela reclama por não ter firmado nenhum acordo oficial e diz sentir-se abandonada. O integrante do MPF fala das dez medidas propostas pela entidade de combate à corrupção. Ela reclama: “Faltou o item 11: o que é que se ganha denunciando, provando, testemunhando... Eu só perdi. Bjs”.
O procurador diz entender a insatisfação e afirma que as propostas foram pensadas para tentar mudar estruturalmente o sistema e a consola: “Mas seu lugar na história está reservado, como quem ousou enfrentar e mudar, mesmo tendo que pagar um alto preço por isto. Espero que no futuro o preço não tenha que ser tão alto”.
Usar infiltrados em operações da Polícia Federal foi alvo de nulidades pela Justiça brasileira. Em 2008, o Superior Tribunal de Justiça considerou que a utilização da Agência Brasileira de Inteligência na Operação Satiagraha foi ilegal. Toda a investigação foi anulada pela Corte.
*Reportagem publicada originalmente na edição 899 de CartaCapital, com o título "Cartas de Curitiba"
Fonte: Carta Capital