Com 93 condenações, que contabilizam 990 anos de prisão, até o momento, a Lava Jato se transformou no pesadelo da classe política e de empreiteiros brasileiros que surrupiam o dinheiro público por meio de esquemas de corrupção. Gravações e delações premiadas divulgadas pela imprensa, além de expor o pavor de figuras ilustres do PMDB e PSDB à continuidade das investigações, mostram, que além do PT, os esquemas de pagamento de propina da Petrobras e de outras obras do Governo Federal favorecem caciques políticos dos maiores partidos do País.
No mais recente capítulo da Lava Jato, ocorrido essa semana, conversas gravadas pelo ex-presidente da Transpetro e suposto caixa dois do PMDB, Sérgio Machado, com três figuras da cúpula do partido – o presidente do Senado, Renan Calheiros; o ex-presidente da República, José Sarney; e o ex-ministro do Planejamento e senador Romero Jucá, apontam a articulação de bastidores para estancar a “sangria” provocada pela operação da Polícia Federal, do Ministério Público e do Judiciário. Estratégia essa que passou pelo afastamento da presidente Dilma Rousseff (PT) com o objetivo de conter o avanço das apurações.
Sistema viciado
As gravações produzidas pelo próprio Machado no âmbito de um acordo de delação celebrado com o Ministério Público Federal (MPF) indicam, além do medo de ser preso, um sistema político viciado. “A situação é grave. Porque, Romero, eles querem pegar todos os políticos”. disse Machado em conversa com Jucá. Em outro trecho ele pergunta se a ficha do PSDB já caiu. “Caiu. Todos eles. Aloysio [Nunes, senador], [o hoje ministro José] Serra, Aécio [Neves, senador]”, contou Jucá.
Moro: o temido
Nos áudios, Sarney promete ajuda ao ex-presidente da Transpetro para evitar que o caso dele seja encaminhado para Curitiba ao juiz Sérgio Moro, magistrado que se tornou símbolo do combate à corrupção. Sua atuação, amparada por um batalhão de policiais federais e procuradores da República, é temida no meio político e desperta sentimentos opostos. Foi aplaudido nas manifestações em favor do impeachment de Dilma e tachado de cometer excessos por, principalmente, partidários do governo petista. Desde 2014, já determinou 70 prisões preventivas, 85 prisões temporárias e cinco prisões em flagrantes. A conduta do juiz federal já tirou o sono inclusive do ex-presidente Lula, que teme ser preso.
Os vazamentos da Lava Jato, a cada dia, implicam mais personagens de destaque da política nacional e regional. Na quinta-feira (26), em trecho de conversa com Renan Calheiros divulgado pela imprensa, Sérgio Machado apontou o deputado federal Pauderney Avelino, líder do DEM e um dos articulares do impedimento de Dilma, como “um cara mais corrupto como aquele não existe”. Ele não é o único parlamentar do Amazonas implicado na Lava Jato. Dois ex-executivos da Andrade Gutierrez afirmaram em delação ao MPF que a empreiteira pagou cerca de R$ 48 milhões em propina para os ex-governadores e senadores Eduardo Braga (PMDB) e Omar Aziz (PSD).
Blog: Edilson Martins, promotor de Justiça
“Esse grupo de pessoas, policiais, procuradores e juiz revelou à sociedade aquilo que ela já sabia, imaginava mas não tinha certeza, que é o crime organizado estruturado e sofisticado nos poderes da República. Um verdadeiro saque ao Tesouro Nacional. A operação serve de marco para a classe política no sentido de mudança de comportamento, de respeito a coisa pública. E serve de alerta aos órgãos de controle para serem mais atuantes e trabalharem em conjunto. Vemos tribunais de contas aprovando as contas dos gestores regular com ressalvas quando se sabe que há verdadeira roubalheira nos Estados e no Norte não é diferente. É o momento de fortalecimento das instituições da Justiça, do MP, da Polícia Federal que, com sua autonomia, faz o seu papel independente, ao contrário das policias dos Estados que, além da subordinação do poder político, são dominadas no Brasil todo. Está na hora desses órgãos acordarem para sua atuação. As pessoas que estão trabalhando nessa operação são procuradores jovens, um juiz muito novo. O que o Moro está fazendo é o que todo juiz deveria fazer”.
Comentário: Luiz Castro, deputado estadual (Rede)
“A Lava Jato oferece uma dupla oportunidade. De um lado punir exemplarmente políticos, empresários e servidores públicos corruptos. De outro, demonstra que a corrupção se tornou sistêmica no grande circulo de poder político nacional – nas altas esferas da governança pública e nos partidos políticos, com raras exceções. Espero que essa exemplaridade e essa pedagogia históricas da Lava Jatos sejam devidamente apropriadas pela maioria da população, a fim de pressionar e exigir uma mudança estrutural de nosso sistema político e de nosso modelo de gestão pública e não apenas uma acomodação conjuntural e superficial. Se uma verdadeira consciência transformadora aflorar e preponderar sobre as forças atávicas da Velha Política atrasada, clientelista e corrupta. Se isso acontecer então a Lava Jatos terá sido o mais importante instrumento transformador da cultura social e política do país. E para que isto ocorra ela não pode ser barrada ou domesticada, como certos próceres do PMDB e de outros partidos desejam, como se denota das ultimas revelações. Vide Renan Calheiros e Sarney”.
Análise: Carlos Santiago, sociólogo
“A Lava Jato corre o risco de terminar como as outras operações como o mensalão, o caso da Sudene e Sudam, o caso Carlinho Cachoeira, os Anões do orçamento, escândalos que envolviam agentes do Congresso Nacional. Foram cassados parlamentares, ministros exonerados, ex-ministros presos. E o que melhorou de lá pra cá no sistema político brasileiro? A operação não vai salvar o sistema político se não acontecerem três grandes mudanças. A primeira é organização partidária. A maioria dos partidos políticos no Brasil é formada por pequenos grupos, e grupos familiares cujo o único objetivo é fazer da política um grande negócio e perpetuar as castas no poder. Dos ministros que o Temer nomeou, cinco são filhos de políticos tradicionais. É o exemplo clássico de como as famílias e pequenos grupos controlam a política. Para mudar, tem que mudar os partidos; tem que ter ideologia e conteúdo programático para dar espaço a novas lideranças. A outra mudança é a relação entre o poder público e os interesses privados. A esfera pública sempre foi a extensão dos interesses privados. Às vezes os investimentos são feitos para agradar esse segmento. Por último, o eleitor tem que ter consciência de votar bem”.
Nomenclatura
A operação recebeu o nome de Lava Jato porque um dos investigados usava uma rede de postos de combustíveis e lava a jato de automóveis para movimentar recursos ilícitos. Contudo, o posto que deu origem às investigações, do doleiro Carlos Chater, fica no Distrito Federal e não tem lava a jato.
Primeiros passos
A operação Lava Jato começou em 2009, em Londrina, Paraná, investigando o ex-deputado federal José Janene e os doleiros Alberto Youssef e Carlos Chater por lavagem de dinheiro. Em 17 de março de 2014, foi deflagrada a primeira fase ostensiva da operação. A 30ª ocorreu na quarta-feira (25).
Comentário: Mauro Bessa, desembargador
O mundo político e empresarial vem se surpreendendo com as investigações da Operação Lava Jato, que vem desbaratando o esquema de desvios de recursos de contratos da Petrobras. Ao longo da nossa história, a forte sensação de impunidade nos crimes de colarinho branco tem sido uma constante. O povo brasileiro já andava desacreditado.
Foi preciso surgir no seio das instituições legais, através da Polícia Federal, do Ministério Público e do Judiciário Federal, uma forte determinação de dar um basta nessa situação. Na verdade, participar do processo político e poder eleger seus representantes pela grande maioria da população, sempre foi muito difícil, por desconhecerem o funcionamento do sistema político.
No entanto, pior do que o distanciamento do povo, é a precariedade como sempre funcionaram as instituições, notadamente aquelas a quem incumbe investigar, denunciar e julgar os corruptos deste País.
Nesse contexto, a Operação Lava Jato vem conseguindo punir corruptos que, longe de ser um trabalho exclusivo do Juiz Moro, tem sido uma tarefa harmoniosa e com parceria da Polícia Federal e do Ministério Público. O que se espera é que a punição dos corruptos seja uma constante no Poder Judiciário, nas esferas federal e estadual, e não uma situação excepcional, tal como se observa na Operação Lava Jato.
Assim, com as investigações que estão sendo feitas na Operação Lava Jato, aliado à conscientização da sociedade, realizando-se as mudanças que se fazem necessárias, principalmente da legislação eleitoral, é possível sonharmos com um sistema político brasileiro sem corrupção. Mas, não se iludam, todo esse processo passa por Juízes e Promotores independentes, capazes, bem recrutados e selecionados, de modo a tudo apurarem.
Fonte: Agência FENAPEF