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14/06/2016

O poder de Eduardo Cunha chegou ao limite

Há pouco tempo pegava-se  uma definição qualquer de poder e o presidente afastado da Câmara, deputado Eduardo Cunha, lá se encaixava. Teleguiava a vontade de um bom punhado de deputados na direção que desejasse. Na linguagem rebuscada da teoria política, era o poderoso-padrão imaginado por Robert Dahl: era o macho “A” que obrigava um “B” qualquer a fazer algo que não faria espontaneamente. Fazia isso às sombras. Sitiado pela Operação Lava Jato, Cunha agora está numa corrida com a presidente afastada, Dilma Rousseff, para ver quem será definitivamente cassado primeiro.

Depois de inúmeras manobras regimentais e jurídicas, planejadas por ele e executadas sem qualquer constrangimento por seu exército de apoiadores, o parecer do relator, deputado Marcos Rogério, do DEM, foi aprovado nesta terça-feira, dia 14. Para o colegiado, o presidente afastado da Câmara mentiu ao dizer à extinta CPI da Petrobras que não possui contas no exterior. Agora, o plenário da Câmara decidirá se Cunha deve ou não ser cassado.

Eduardo Cunha durante defesa de no conselho de ética da Câmara (Foto: Michel Filho / Agência O Globo)

Lá, a situação de Cunha é muito difícil. Ele será julgado em um momento no qual é alvo de seis inquéritos no Supremo Tribunal Federal e um pedido de prisão feito pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Já é réu em um dos processos e pode se tornar em um segundo, nos próximos dias. Há um robusto conjunto de provas de que recebeu propina de empresas com contratos com a Petrobras em contas secretas na Suíça; e que gastou parte desse dinheiro em hotéis e objetos de luxo com sua mulher, Cláudia Cruz. Nesta terça-feira (14), um juiz decretou a indisponibilidade de seus bens. Cunha também é um personagem com avaliação negativa na opinião pública. Afastado da presidência da Câmara há mais de um mês, não tem mais aqueles mecanismos capazes de somar aliados. Em termos políticos, sua situação não poderia ser mais frágil.

Em tese, Cunha tem nas mãos muitos deputados que ajudou a eleger, com contribuições de campanha – quase todas ilegais. Esses deputados podem ajudá-lo com base no medo, mas o poder de barganha é muito menor. A prova é que, nesta terça-feira (14), Cunha não conseguiu exercer poder nem sequer sobre deputados do baixo clero. Até a semana passada, a deputada Tia Eron, do PRB da Bahia,  era considerada um voto a favor de Cunha. A pressão externa, no entanto, mudou a situação. Tia Eron, seu líder, o deputado Celso Russomanno, e o partido foram bombardeados por manifestações de rejeição a Cunha. Tia Eron percebeu isso e valorizou ao máximo seus poucos segundos de celebridade. Depois de sumir durante dias, fez um discurso na hora de votar. Ironizou os colegas: “Surpreendentemente, os senhores, nem me procuraram. De fato, não mandam nessa nega aqui. Nenhum dos senhores manda”, disse. Tia Eron – ou Eronildes, seu nome original – ainda discorreu com sofisticação. Comparou a televisão ao Mito da Caverna, de Platão, citou o semiólogo Umberto Eco e disse que o Conselho de Ética precisa ser “(re)significado” (o que quer que isso signifique) e os setes meses a uma gravidez. “É quase um filho, para poder nascer. Por isso chamam Tia Eron para resolver o problema que os homens aqui não conseguiram resolver”, disse. “Tia Eron vai resolver o que é para resolver!”

Tia Eron votou contra Eduardo Cunha, ao contrário do que se esperava. Após o voto dela, outra surpresa enorme: o deputado Wladimir Costa, do Solidariedade do Pará, acompanhou o voto da colega e ficou contra Cunha, segundos após defender exatamente o contrário. A votação terminou 11 a 9 contra Cunha, sem a necessidade do voto do presidente do Conselho, José Carlos Araújo, um cenário que não era imaginado por ninguém antes do início da sessão. Longe do poder, réu e ameaçado de ser preso, Cunha afirma que vai recorrer da decisão na Comissão de Constituição e Justiça. Mas seu poder de procrastinar o processo está reduzido. Cunha tem poucas condições de manter-se deputado.

                                                                                                  Fonte: Revista Época