Leitura

01/07/2016

Precedente indevido

Levada a cabo na quarta-feira 29, a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, de livrar da prisão preventiva o petista Paulo Bernardo, ex-ministro de Lula e Dilma Rousseff, significa muito mais do que conceder a liberdade, depois de apenas seis dias de detenção, a um acusado de participar de um esquema de desvios de R$ 100 milhões – como se isso já não fosse um acinte à sociedade. A medida monocrática, além de atropelar instâncias como o TRF de São Paulo e STJ, pode abrir um precedente perigoso para as grandes operações como Lava Jato, Zelotes e Acrônimo e para a Justiça brasileira como um todo. O temor de juristas e investigadores é de que a atitude do ministro possa deflagrar uma reação em cadeia que comece a retirar de trás das grades figuras-chave de esquemas de corrupção.

Não bastasse o risco de comprometer as investigações, a soltura dos implicados nos escândalos coloca em marcha articulações para que praticamente ninguém mais seja detido preventivamente, tenham os denunciados prerrogativa de foro ou não, como o ex-presidente Lula, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), ou presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), por exemplo. Um efeito colateral que interessa a muita gente graúda e encrencada. Não por acaso, os promotores que haviam pedido a prisão do ex-chefe do Planejamento reagiram estupefacientes. Em nota, se disseram “perplexos” com a iniciativa de Toffolli de soltar Paulo Bernardo e impor ao acusado medidas cautelares suaves, como comparecimento quinzenal e proibição de contato com demais investigados. A tornozeleira eletrônica, mecanismo utilizado para o monitoramento de presos e investigados, foi dispensada.

Petista de quatro costados, Paulo Bernardo é investigado pela operação Custo Brasil da Polícia Federal. Os agentes apuram um esquema de corrupção que desviou aproximadamente R$ 100 milhões de aposentados que, endividados, tomaram empréstimos consignados. De acordo com as autoridades do caso, a empresa Consist administrava esse dinheiro e cobrava dos clientes muito mais do que deveria. A suspeita é a de que parte do recurso tenha sido repassada ao Partido dos Trabalhadores e até bancado despesas pessoais de Paulo Bernardo, casado com a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR).

O juiz Paulo Bueno de Azevedo, da 6ª Vara Criminal da Justiça Federal, havia autorizado o pedido de prisão de Paulo Bernardo em 23 de junho. Em seu despacho, ele argumentou que a Polícia e o Ministério Público Federal sustentaram que o petista poderia atrapalhar as investigações e, portanto, deveria ficar recluso. O juiz argumentou que existia o risco “à instrução criminal, não só por conta da condição política de Paulo Bernardo”, mas também “devido aos indícios de relação espúria com Guilherme Gonçalves (advogado preso) e o fundo Consist”. “Há risco concreto de novas manipulações nas provas”, afirmou. A fundamentação do juiz federal, no entanto, não foi levada em conta por Toffoli. O Grupo de Trabalho formado pelo Ministério Público Federal em São Paulo para atuar na Operação Custo Brasil não economizou nas críticas: “Ao não conhecer integralmente a reclamação ajuizada e decidir pela soltura de Paulo Bernardo, o ministro suprimiu instâncias que ainda iriam tomar conhecimento do caso e sequer ouviu a Procuradoria-Geral da República. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por exemplo, não conheceu de qualquer pleito semelhante oriundo da defesa do ex-ministro”. A nota foi assinada pelos procuradores Silvio Luis Martins de Oliveira, Andrey Borges de Mendonça, Rodrigo de Grandis e Vicente Solari Mandetta. Os procurados tentarão reverter a decisão. Afirmaram ainda que continuarão trabalhando para o avanço da investigação. O incensado jurista Carlos Mario Velloso fez coro com os procuradores. “Parece-me estranho que uma decisão do juiz de primeiro grau seja apreciada diretamente pelo Supremo. Não há que falar em competência originária do STF no caso”, declarou ele. O juiz da Custo Brasil, que mandou prender o petista, também reagiu: “Quanto à questão da fundamentação da prisão preventiva, obviamente irei acatar, porém respeitosamente discordo, continuando a achar que a expressiva quantia do dinheiro não localizado pode sofrer novos esquemas de lavagem, ao menos por ora. O risco concreto se deveria aos indícios dos pagamentos feitos por intermédio do advogado Guilherme Gonçalves”.

Para manter a isonomia no caso, o juiz mandou soltar também Guilherme de Sales Gonçalves, Daisson Silva Portanova, Valter Correia da Silva, Emanuel Dantas do Nascimento, Joaquim José Maranhão da Câmara, Washington Luiz Viana e Dércio Guedes de Souza. A sentença do ministro do Supremo também teria contrariado o ex-colega, Joaquim Barbosa, cuja decisão de não conceder prisões provisórias no âmbito do mensalão foi usada como exemplo em seu voto. Para libertar Paulo Bernardo, Dias Toffoli argumentou ainda, no condescendente despacho, para dizer o mínimo, ter vislumbrado “flagrante constrangimento ilegal”, “sem motivação idônea, cuidando-se de verdadeira antecipação de futura punição”.

Toffoli já desfilou com estrelinha vermelha estampada no peito e isso, obviamente, não o ajuda. Foi advogado do partido entre 1998 e 2006. Depois, alçado a advogado-geral da União do governo Lula. Com status de ministro, defendeu o governo petista por dois anos, entre 2007 e 2009, até ser nomeado pelo então presidente ao Supremo Tribunal Federal. Em sua atividade na Suprema Corte, justiça seja feita, Toffoli até proferiu decisões equilibradas, tanto contrárias como favoráveis ao PT. Esta última, no entanto, parece ter feito o seu coração-companheiro bater mais forte.

Está rindo de quê?

A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) comemorou de maneira efusiva a libertação do marido e ex-ministro Paulo Bernardo, na quarta-feira 29. Afirmou, na sequência, que a decisão do STF era sinal de que equívocos foram cometidos pela Operação Custo Brasil. Pelo contrário. A Corte, por meio de Dias Toffoli, ao conceder a liberdade, além de tomar uma decisão bastante controversa, não absolveu os envolvidos de participarem de uma fraude que apropriou cerca de R$ 100 milhões de aposentados endividados. Paulo Bernardo e a própria Gleisi continuam sendo investigados no caso. Documentos colhidos em um escritório de advocacia que operava o repasse dos recursos de corrupção para o casal, além de outras provas, demonstram como o dinheiro desviado pagou despesas da senadora e do ex-ministro. Apontam ainda que, dos mais de R$ 7 milhões de suborno recebidos, parte do dinheiro custeou salários de motorista, aluguel de um loft e até irrigou a campanha da petista ao Senado, em 2010. Esta, aliás, não é a única investigação contra o casal. Eles foram alvos também de uma denúncia do MP no STF por envolvimento no Petrolão. Dois delatores da Operação Lava Jato narraram pagamentos direcionados a bancar despesas de campanhas de Gleisi. Diante de fartas evidências, a soltura de Paulo Bernardo pode ter trazido um alívio momentâneo para a senadora e o ex-ministro. Mas a calmaria não deve durar.

                                                                            Fonte: Revista Istoé