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02/09/2016

À sombra da Lava Jato

A Operação Lava Jato continua comconsequências imprevisíveis para o governo Temer. 

"As denúncias contra membros do novo governo não são novidades, estão na lista do [Rodrigo] Janot [procurador-geral da República]", afirma José Robalinho Cavalcanti, presidente da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República). "O que tem de ser investigado será, como aconteceu até agora. Tem de apurar o grau de envolvimento de cada um." 

Para ele, as resistências entre políticos às investigações de corrupção são suprapartidárias. "As iniciativas parlamentares para combater a Lava Jato não são desse governo ou do anterior, são de setores do Congresso", diz. "O presidente Temer e o ministro da Justiça prometeram apoio à operação e total independência, então não acreditamos em interferência, assim como também não havia na época da Dilma, justiça seja feita", diz Robalinho.

O presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil), Roberto Veloso, concorda: "As pressões sobre a Lava Jato sempre ocorreram e não tiveram sucesso. É necessário aprofundar o combate à corrupção e criar mecanismos que fortaleçam as instituições". 

No início do mês, ambas as entidades divulgaram um manifesto em conjunto com a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) e a Conamp (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público) repudiando o projeto que reforma a Lei de Abuso de Autoridade, apresentada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). 

Na visão dos magistrados, a iniciativa visa cercear o trabalho da Polícia Federal, Ministério Público e Justiça. "A lei de abuso de autoridade é uma lei antiga, que precisa ser revista, mas, da forma que está-se fazendo, parece que o único objetivo é cercear o trabalho da Justiça, assim como o fazem algumas outras iniciativas no Parlamento. É necessário que a imprensa e a sociedade fiquem atentas e façam muita pressão", afirma o presidente da ANPR. 

"Vimos esse movimento após a Operação Mãos Limpas, na Itália, que dizimou os dois principais partidos políticos após uma ampla investigação de corrupção e envolvimento com a Máfia. Quando a poeira baixou um pouco, passaram leis que dificultam e impedem até hoje o combate à corrupção naquele país", ressalta o procurador da República.

Tanto os presidentes das associações da magistratura quanto os das da Polícia Federal dizem que aprovam o atual ministro da Justiça, Alexandre Moraes, e esperam um fortalecimento da instituição sob sua gestão. "Havia uma relação desgastada com o governo anterior", avalia o Carlos Eduardo Sobral, presidente da ADPF (Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal). 

"Eles não interferiam, mas cortavam recursos e desaparelhavam a gente. Quando cortaram o orçamento da PF em dezembro em 15%, cerca de R$ 155 milhões, não houve defesa da PF. O ministro não se posicionou, e isso mostrou que a PF não era prioridade para o governo. Agora temos a expectativa de fortalecimento, vamos ver."

O presidente da Fenapef (Federação Nacional dos Policiais Federais), Luís Boundens, concorda e diz que a categoria percebe a hora de reestruturar a carreira com melhores condições de trabalho e salários, contando com o apoio do governo. 

Do outro lado do balcão, advogados têm manifestado preocupação com alguns instrumentos de investigação utilizados pela Operação Lava Jato. 

No início do ano, dezenas de criminalistas e constitucionalistas divulgaram um manifesto em que chegaram a comparar os métodos empregados pela força-tarefa aos da Santa Inquisição medieval. "Em nome de acabar com a impunidade, abre-se mão de direitos constitucionais. Quem aceita isso acaba ficando sem nenhum dos dois", diz o advogado José Roberto Batochio, que não assinou o manifesto. 

Cláudio Lamachia, presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e que foi a favor do impeachment de Dilma, defendeu em carta aberta que ministros investigados na Lava Jato sejam afastados e cobrou vigilância da sociedade brasileira. "A sociedade toda precisará se envolver na superação da crise ética que abate o Brasil, a população não pode se mobilizar apenas quando uma crise chega a seu ápice."

 

Fonte: http://www.uol/noticias/especiais/o-que-o-brasil-quer.htm#voz-das-ruas