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05/12/2016

O Supremo se alia às ruas

A decisão liminar do ministro Marco Aurélio Mello de afastar Renan Calheiros da presidência do Senado pode ter agradado às ruas, mas causou duas encrencas instantâneas. Uma jurídica, entre os demais ministros do Supremo; outra política, com um Congresso que perde o segundo chefe da mesma maneira.


>> Afastamento de Renan surpreende ministros do SupremoA liminar concedida por Marco Aurélio, a pedido de advogados da Rede, é juridicamente controversa – certamente provocará críticas de juristas. Os ministros ainda estão discutindo se réus podem ou não manter cargos na linha sucessória da Presidência da República. Há maioria formada em favor da interpretação de que réus não podem estar na linha sucessória, mas o ministro Dias Toffoli pediu vista. O assunto, portanto, ainda está em análise pelo Supremo. Marco Aurélio, porém, citou a maioria já formada como argumento para conceder a liminar. Como se sabe, Renan virou réu na quinta-feira passada, o que deflagrou a ação da Rede.

Alguns ministros da Corte ficaram incomodados com a decisão de Marco Aurélio. Estão, evidentemente, emparedados pela liminar dele. Diante da confusão armada, será altamente custoso para eles derrubar a liminar e devolver Renan à presidência do Senado, caso julguem ser essa a solução jurídica mais apropriada.

A segunda encrenca, a política, mistura-se à jurídica. Não é simples ou trivial afastar, por uma decisão individual, o presidente de uma Casa legislativa. Mas o Supremo fez isso – e fez duas vezes. Primeiro, com Eduardo Cunha, por meio de liminar do ministro Teori Zavascki. A decisão foi confirmada pelos demais ministros logo depois. Mas foi criticada, não só no mérito, como na forma. A decisão de Marco Aurélio causa ainda mais impacto e gera ainda mais polêmica. Como é juridicamente mais frágil, pois a fundamentação jurídica dela ainda está sob debate no Supremo, pode submeter-se a críticas duras de parlamentares. Goste-se ou não, trata-se da cúpula do Judiciário apeando a cúpula do Legislativo.

Pela perspectiva das ruas, o ministro Marco Aurélio fez o que os senadores se recusavam a fazer – o Conselho de Ética do Senado não agia contra Renan. Assim, se os demais ministros confirmarem a decisão de Marco Aurélio, o Supremo terá se aliado às ruas num dos momentos mais decisivos da crise política – da transformação política – provocada pela Lava Jato.

Politicamente, Renan se enforcou quando partiu para cima da Lava Jato na quarta-feira passada, apesar dos apelos do presidente Michel Temer e da presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia. Renan, que sempre soube proteger seus interesses ao misturá-los habilmente com os interesses da instituição que presidiu, errou feio. Foi enquadrado pelas ruas neste domingo. Ganhou até pixuleco inflável na Avenida Paulista. Dificilmente duraria.

Resta saber se o presidente Michel Temer aproveitará a oportunidade para se afastar da agenda anti-Lava Jato tocada pelas principais lideranças do Congresso. Ele já deu a entender a aliados que fará isso. Pretende se dedicar exclusivamente à pauta econômica. Caso faça esse movimento discreto de distanciamento dos anseios e das angústias que movem os parlamentares, Temer deixará o Congresso sozinho e isolado na batalha contra a Lava Jato. Hoje, expor-se como inimigo dos investigadores significa ganhar boneco inflável na Paulista. Cedo ou tarde, o Supremo manda o boneco das ruas ao chão.

Fonte: http://epoca.globo.com/politica/noticia/2016/12/o-supremo-se-alia-ruas.html