A defesa de um liberalismo moderno capaz de assegurar liberdades individuais e ao mesmo tempo atender a interesses coletivos granjeou ao juiz da Suprema Corte americana, Louis Brandeis (1856-1941), o epíteto de advogado do povo – People´s Attorney. Sua maior lição encontra-se resumida numa frase seminal entoada até hoje com a mesma ênfase, significado e importância histórica de seu tempo. Dizia ele: “o melhor detergente é a luz do Sol”. Passadas mais de sete décadas, o ensinamento de Brandeis se impõe quase como um ditame obrigatório.
Nunca a exposição ao escrutínio público de graves e relevantes fatos envolvendo autoridades e os mais altos hierarcas foi tão imperativa como agora. Na última semana, em um lance de sorte que não surpreendeu ninguém, o ministro Edson Fachin foi o escolhido pelo impessoal algoritmo do sistema informatizado do Supremo Tribunal Federal para ser o novo relator da Lava Jato. A relatoria do magistrado, o mais novo na casa, foi festejada por investigadores, celebrada por advogados dos encrencados na operação, comemorada pelo Palácio do Planalto e reverenciada pela opinião pública. Há praticamente um consenso de que este foi o melhor desfecho para o futuro das investigações, pois Fachin, embora indicado ao posto pela ex-presidente Dilma Rousseff, tem demonstrado ser um juiz técnico, discreto e independente. Ciente do tamanho da responsabilidade que lhe pousa sobre a toga, sua primeira mensagem por meio de uma curta nota oficial foi a de que trabalhará com “prudência, celeridade, responsabilidade e transparência”. O que o Brasil aguarda ansiosamente, no entanto, é pelo próximo e mais decisivo passo de Fachin: o levantamento do sigilo das 77 delações da Odebrecht.
Desde que a presidente do STF, Cármen Lúcia homologou as delações, na última segunda-feira 30, o País iniciou intenso clamor pelo fim do sigilo sobre o conteúdo dos mais de 900 depoimentos bombásticos. Cármen decidiu manter tudo em segredo de justiça, pois avaliou que esta deveria ser uma decisão do substituto de Teori Zavascki, morto em um acidente aéreo em janeiro. Agora que Fachin é oficialmente o responsável pela operação, está mais do que na hora de tirar o segredo dos depoimentos dos delatores, de forma geral, para que os corruptos (todos eles) sejam, enfim, conhecidos e devidamente punidos. O País precisa parar de sangrar. Só assim o Brasil poderá reencontrar o caminho da pacificação e a trilha para a necessária retomada da economia. “É preciso que fique bastante claro a toda sociedade o papel de cada um dos envolvidos, seja da iniciativa privada ou dos setores públicos”, defendeu o presidente da OAB, Claudio Lamachia.
PROPINA X CAIXA DOIS
Desde o último ano, provocou-se no País a sensação de que nenhum político sobreviverá incólume à delação do fim do mundo. A atmosfera apocalíptica, ao colocar todos no mesmo patamar ético e moral, como se isso fosse possível, serve aos interesses daqueles que reconhecidamente foram os mentores e arquitetos do maior esquema de corrupção da história recente brasileira: os inquilinos do poder nos 13 anos de governo petista. O vazamento a conta-gotas do teor das delações de executivos da Odebrecht, como também de outras empreiteiras e de outros delatores, só leva à desmoralização dos políticos como um todo, sem que a necessária e fundamental separação do joio do trigo seja feita.
Resta evidente, a esta altura, que as delações tornadas públicas em doses homeopáticas não distinguem os políticos que foram agraciados com doações eleitorais legais daqueles que receberam propina para favorecer empresas, partidos ou mesmo para enriquecimento próprio. Não há dúvidas de que todos os crimes são crimes e quem os comete merece ser julgado e, se for o caso, condenado, à luz das leis vigentes e do estado democrático de direito. Ocorre que os que querem colocar todos no mesmo barco não estão em sintonia com os brasileiros que vão às ruas para clamar pela continuidade da Lava Jato e pela punição dos corruptos. Os interessados em igualar a todos, como se caixa dois, propina em benefício pessoal e um esquema na Petrobras montado por um governo e comandado por um ex-presidente, no caso Lula, fossem faces da mesma moeda, não querem a punição de políticos sem distinção. Desejam na verdade, com esse argumento, um salvo conduto para voltar ao poder em 2018 e repetir as práticas criminosas que colocaram em marcha nos últimos anos sem sequer corar a face.
Indicado pela ex-presidente Dilma Rousseff, o ministro Luiz Edson Fachin, de 58 anos, é o integrante do Supremo Tribunal Federal (STF) mais novo. Está no cargo há apenas um ano e seis meses. A exemplo do juiz Sergio Moro, Fachin fez carreira no Paraná. Advogou no Estado até 2015, quando foi indicado para o STF. Sempre esteve ligado à defesa de conflitos agrários e, como jurista, desenvolveu trabalhos na área do direito civil. Sua atuação no campo penal, porém, é uma incógnita. Nos bastidores da corte, Fachin é considerado um “workaholic” e bem-humorado. Discreto, costuma tocar os processos com eficiência e agilidade. Em 2010, declarou voto na ex-presidente Dilma Rousseff, o que gerou reservas a seu nome. Sua sabatina no Senado durou 12 horas, uma das mais longas do STF. As posições do ministro favoráveis à reforma agrária e ao casamento de pessoas do mesmo sexo desagradavam tanto à bancada ruralista como a evangélica. Ao final, seu nome foi aprovado, apesar das resistências.
A urgência por esclarecimentos carregam outras razões. É fato que o governo federal está atravessando uma espécie de campo minado sem saber se e como seus integrantes e aliados estão implicados nas investigações. Gera-se uma insegurança política criada pelo chamado “imponderável da Lava Jato”. Com as travas da desconfiança sobre iminentes escândalos que virão pela frente, o governo perde velocidade e assertividade, quando o cenário econômico e social exigem exatamente o oposto. A ocultação dessas informações acaba tendo conseqüência deletéria: os chamados vazamentos seletivos, que podem ser manobrados por detentores de informações privilegiadas para alcançar resultados políticos que fogem aos interesses republicanos. “No caso da delação (da Odebrecht), que os investigados já têm conhecimento da investigação e são fatos um pouco mais antigos, entendemos que não há razão nenhuma para manter o sigilo das delações”, afirmou o presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Carlos Eduardo Sobral.
PROJETO DE LEINas redes sociais como Facebook, Twitter, Instagram e em grupos de Whatsapp, centenas de apoiadores se unem por meio da hashtag #FimDoSigilo para que o conteúdo das delações homologadas venham a público. O pedido era para que isso acontecesse antes mesmo da eleição que reconduziu o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) à Presidência da Câmara e elegeu o senador Eunício Oliveira (PMDB-CE) para o comando do Senado. De acordo com vazamentos recentes, ambos foram citados pelo ex-diretor de Relações Institucionais, Cláudio Melo Filho, como beneficiários de pagamentos da empresa em troca da aprovação de uma medida provisória de interesse da Odebrecht no Congresso.
Não foram os únicos. Há uma penca deles, sem distinção partidária, e a população precisa conhecê-los. “Defendo o fim do sigilo não só das delações de uma empresa (referindo-se à Odebrecht), mas como de todas as delações”, afirmou o próprio Eunício, tão logo eleito. Na última semana, o presidente do PMDB e senador Romero Jucá (RR) anunciou que vai apresentar um projeto de lei para acabar de uma vez por todas com o sigilo de depoimentos. “Não dá para ficar vazando a conta-gotas informações e criando um clima de instabilidade que tem reflexo grave na economia”, argumentou.
A escolha do ministro Edson Fachin como novo relator da Lava Jato foi em parte fruto de um acaso da sorte, mas também passou, em certa medida, por uma estratégia da presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, para dar uma força ao algoritmo do sistema de informática do STF que, espontaneamente e com lisura, acabou sorteando a solução mais consensual entre os magistrados da Suprema Corte, governo e o meio jurídico. Isso porque Fachin não fazia parte da segunda turma, formada por cinco magistrados. Após a morte de Teori Zavascki no mês passado, abriu-se nessa turma a vaga de relator. Qualquer um dos ministros da primeira turma teriam prioridade na intenção de se transferir para onde o sorteio da vaga de Teori seria realizado, porque têm preferência os integrantes mais antigos da corte. E Fachin era o novato. Mas, justamente por ter menos tempo de casa, ele detém o menor número de processos acumulados em comparação com os outros companheiros de toga. Por isso, teve uma pequena vantagem no sorteio em relação aos colegas. Mas se por um lado o resultado foi satisfatório, por outro acabou causando desgastes e algumas rusgas no caminho.OS BASTIDORES DA ESCOLHA DE FACHIN
As pressões, a guerra de vaidades e as contrariedades que embalaram a definição do novo condutor da Lava Jato
Cármen terminou esta semana exaurida. Passou dias tentando costurar um acordo para que não houvesse contestação sobre a decisão de fazer um sorteio da relatoria apenas entre membros da Segunda Turma. ISTOÉ apurou que a estratégia da migração entre turmas foi construída com a ajuda do ministro Gilmar Mendes, que tem estado mais próximo de Cármen desde que ela assumiu a presidência do STF. Apesar do perfil contrastante dos dois – ela, uma esfinge; ele, comunicativo -, ambos jogaram afinados na última semana.
Mas nem tudo correu como ela imaginava. “Antes de receber ofício às duas da tarde de quarta 1, eu não havia sido procurado. Talvez eu não pertença ao clube do bolinha ou clube da luluzinha”, reclamou o ministro do STF Marco Aurélio Mello. “Mas ao ser formalmente consultado, eu disse que não iria migrar de turma, pois acho que o juiz não deve escolher a relatoria que quer pegar”, arrematou.
O sorteio de Fachin foi considerado um “jogo de cartas marcadas” e causou certo constrangimento e até competição entre os magistrados. Apesar do volume imenso de trabalho, alguns ministros estavam esperançosos em assumir a responsabilidade no STF pela mais gigantesca investigação de corrupção no País.
MAIS REVELAÇÕES
O Ministério Público Federal apresenta suas cautelas. Até a sexta-feira 3, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, não havia pedido o levantamento do segredo de nenhum dos depoimentos. Segundo ISTOÉ apurou, ele deve, sim, nos próximos dias solicitar a publicidade do material. Porém, não do inteiro teor. O argumento é o de que o sigilo contribui às próximas diligências, como buscas e apreensões, evitando, por exemplo, a ocultação de provas por parte dos investigados. No início de 2015, porém, a PGR teve outra interpretação. Ao enviar ao Supremo Tribunal Federal uma lista com o nome de aproximadamente 50 autoridades com foro privilegiado, Janot pediu ao mesmo tempo abertura de inquérito e o fim do sigilo dos processos. Na ocasião, as apurações estavam baseadas nas revelações feitas pelo doleiro Alberto Yousseff e pelo ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa. Naquele caso, Janot avaliou que a sociedade tinha o direito de saber quem eram os acusados.
“É preciso que fique bastante claro a toda sociedade o papel de cada um dos envolvidos no esquema” Claudio Lamachia, presidente da OAB
Na esteira da delação da Odebrecht, conhecida como a mãe de todas as delações, outros personagens também querem confessar seus crimes e delatar envolvidos. É necessário também ouví-los para que tudo seja esclarecido de maneira cabal. No início da fila, estão os marqueteiros João Santana e Duda Mendonça, célebres por fazerem campanhas petistas e que agora negociam a adesão a acordos de colaboração premiada. Eles poderão revelar acertos espúrios envolvendo campanhas eleitorais, como, no caso específico de João Santana, o pagamento no exterior de contribuições à campanha de Dilma Rousseff em 2014. Os acordos dos marqueteiros, porém, ainda não foram assinados pelo Ministério Público e estão em fase de negociação.
Outros três personagens que têm muitos esclarecimentos a fornecer à sociedade, mas ainda não firmaram decisão por uma delação premiada são o ex-ministro petista Antonio Palocci, o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e o ex-bilionário Eike Batista, todos presos por conta dos desdobramentos da Lava Jato. Palocci sabe, e muito, dos segredos mais recônditos do petismo. Já Cunha conhece detalhes espúrios de pagamentos de empresas a parlamentares e políticos de modo geral e do PMDB. E Eike pode revelar novos fatos envolvendo o BNDES durante a gestão petista, além de detalhar os acertos com o ex-governador do Rio Sérgio Cabral. No caso dos três, porém, a delação ainda está um passo atrás, já que interlocutores próximos afirmam que ainda não se convenceram a colaborar com as autoridades. A circunstância política não poderia ser mais propícia. É chegado o momento de passar o Brasil a limpo. Como dizia Louis Brandeis, não há atalhos na evolução.
E não são só as delações no âmbito da Lava Jato que devem ser homologadas e rapidamente tornadas públicas. Isso deveria valer para todas. Condenado a onze anos de prisão por envolvimento na compra de medidas provisórias no Congresso, e alvo de diversas outras ações da Operação Zelotes, o lobista José Ricardo da Silva decidiu fazer delação premiada.NOVO DELATOR VAI COMPLICAR ERENICE
José Ricardo da Silva, ex-sócio da ex-ministra,resolveu contar tudo o que sabe sobre o esquema da Zelotes
Caso seja aceita, será a primeira colaboração da Zelotes e deve empurrar a investigação para um novo patamar: José Ricardo é investigado por possíveis pagamentos a um ministro do Tribunal de Contas da União, era sócio em negócios com a ex-ministra petista Erenice Guerra e se mostra disposto a entregá-la.
José Ricardo foi conselheiro do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) e é acusado de receber propina de empresas para reverter autuações milionárias da Receita Federal. Apesar de ter sido solto em maio do ano passado, teme a possibilidade de que a sua condenação seja confirmada em segunda instância, o que provocaria nova prisão. (Aguirre Talento)