Eles vestem a toga e servem às cortes do País para resolver conflitos sociais e garantir a aplicação das leis. Alguns, porém, na contramão de seu dever com o Estado, se envolvem em atividades ilícitas, que vão da venda de sentenças e lavagem de dinheiro até a prática de homicídios e ligação com facções criminosas. Um dos casos mais emblemáticos ganhou novos contornos no início deste ano, quando a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, manter por mais seis meses o afastamento da desembargadora do Tribunal de Justiça do Amazonas, Encarnação das Graças Sampaio Salgado. A magistrada já havia sido afastada pela primeira vez em junho do ano passado, quando, na segunda fase da Operação La Muralla, a Polícia Federal cumpriu um mandado de busca e apreensão na casa e no gabinete da juíza. O pedido de prorrogação foi feito pelo Ministério Público Federal, que afirmou ser necessário mais tempo para investigar o material coletado. Ela é investigada por suspeita de receber dinheiro em troca da liberação de presos por meio de decisões judiciais tomadas em plantões judiciários. “A magistratura é composta de membros encarregados de promover a Justiça e não negá-la”, disse à ISTOÉ o ministro João Otávio de Noronha, Corregedor Nacional de Justiça.
Desde 2015, investigadores da Delegacia de Repressão a Entorpecentes do Amazonas interceptam conversas entre advogados da facção criminosa Família do Norte (FDN) e funcionários do judiciário local. Em junho de 2016, o ministro do STJ, Raul Araújo, declarou que o nome da magistrada é mencionado pelos envolvidos em diversos episódios. Ele afirmou ainda que as operações encontraram indícios de que haveria uma atuação criminosa dos advogados para a obtenção de favorecimento de integrantes da facção por intermédio da desembargadora e de membros do Judiciário do Amazonas em troca de pagamento. Além disso, segundo dados disponíveis no Portal da Transparência do Tribunal de Justiça do Estado, mesmo afastada, a magistrada recebeu entre junho e novembro do ano passado de R$ 310 mil. De acordo com o órgão, Encarnação continua ganhando benefícios, já que não perdeu o cargo. Seu advogado de defesa, Emiliano Aguiar, afirma que a juíza não tem ligações com a FDN. “As interceptações apontavam ligações com um assessor dela que foi afastado.”
Outro caso que enfrenta a morosidade da Justiça é o processo disciplinar que tramita no Conselho Nacional de Justiça contra os desembargadores da Bahia Mário Alberto Hirs e Telma Brito. A última sessão de julgamento ocorreu no final de fevereiro, na qual o relator e conselheiro Arnaldo Hossepian votou pelo afastamento dos desembargadores por dois anos. Há quatro anos, os magistrados são acusados de inflar em R$ 448 milhões valores de precatórios (dívidas do poder público reconhecidas pela Justiça). Segundo Hossepian, os ex-presidentes do TJ-BA não exerceram a correta fiscalização sobre seus subordinados, permitindo que os cálculos fossem realizados em desacordo com a legislação, gerando prejuízo aos cofres públicos. Em 2013, no início da investigação, Hirs e Telma, sua antecessora no cargo, foram afastados preventivamente. Mas em julho de 2014, o ministro Ricardo Lewandowski determinou o retorno dos magistrados ao tribunal.
“DIA DE LIMINAR”
Ainda sob sigilo, dois processos contra dois desembargadores do Ceará tramitam no CNJ. Paulo Camelo Timbó e Carlos Rodrigues Feitosa são investigados pela venda de decisões provisórias durante plantões em troca de pagamentos que variavam entre R$ 10 mil e R$ 150 mil. “A venda de decisões é um ato muito grave, que faz com que o Estado não se incumba de seu dever de entregar a Justiça com isenção”, diz Noronha. Em outubro do ano passado, o STJ abriu um inquérito para investigar quatro pessoas ligadas a Feitosa para apurar crimes de lavagem de dinheiro. O filho do magistrado, o advogado Fernando Feitosa, é acusado pelo Ministério Público de ter liderado o esquema para recebimento de vantagens. Por meio das redes sociais, ele teria postado mensagens alusivas ao “dia da liminar”, com cobranças que variavam entre R$ 70 mil e R$ 500 mil.
“A magistratura é composta de membros encarregados de promover a Justiça e não negá-la” Ministro João Otávio de Noronha, Corregedor Nacional de Justiça
Fonte: http://istoe.com.br/magistrados-na-mira-da-justica/