A rua que dá acesso a um dos prédios da Justiça Federal em Brasília tinha policiamento reforçado e trânsito suspenso durante a manhã da terça-feira 14. Do lado de fora, um minúsculo grupo que não passava de 30 militantes petistas fazia sua tradicional arruaça, criticava a imprensa e gritava palavras de apoio ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, descrito pelo Ministério Público Federal como o “comandante máximo” do esquema de corrupção da Lava Jato. Não se trata de um recurso meramente retórico. Antes de seu governo, é inegável que o chamado presidencialismo de coalizão já havia se corrompido. Seria ingenuidade dizer o contrário. Mas o lulopetismo inovou. Para pior. Muito pior. Estabeleceu um projeto estruturado de corrupção e poder. Graças a ele, o debate de idéias e propostas de interesse da sociedade perdeu totalmente a relevância. Em vez de discutir projetos e submetê-los à uma salutar e democrática disputa política no Congresso, o governo petista instituiu o mensalão. Como atalho para o alcance de vitórias no Legislativo, preferiu comprar o que chamava de 300 picaretas em vez de dobrá-los no argumento ou mesmo no voto. Depois, veio o Petrolão a dilacerar os cofres da Petrobras, e de outras estatais, com desvios destinados a irrigar campanhas de petistas e aliados por meio de um crime quase perfeito: a doação registrada oficialmente na Justiça Eleitoral. Os objetivos também foram sofisticados. Além da perpetuação no poder, a propina encheu cofres e dourou vaidades pessoais num inequívoco propósito de enriquecimento próprio, como se já não bastassem as vantagens políticas.
A estratégia de antecipar a sua candidatura em 2018 é, acima de tudo, personalista. Foi ardilosamente pensada para pressionar a Justiça a não condená-lo, politizando o que deveria ser tratado somente no âmbito policial e judicial. No íntimo, Lula sabe que uma condenação em primeira instância é favas contadas. Concentra-se para evitar uma derrota na segunda instância, que o tornaria automaticamente um “ficha suja”, tirando-o do páreo eleitoral, mesmo que ele não vá para cadeia. Pelas suas contas, o julgamento derradeiro ocorreria entre abril e junho de 2018, período em que as candidaturas a presidente já estarão postas. Sobretudo a dele. Para não ser limado do processo, lançará mão de um discurso matreiro que já vem sendo embalado aos poucos. O de que irão condená-lo apenas para impedir sua candidatura, quando o que ocorre é exatamente o inverso. E não precisa ser um expert em política para enxergar: Lula antecipa o lançamento de seu nome à Presidência para evitar uma condenação.O que foi bom para o PT, foi ruim para o Brasil. O esquema criminoso que floresceu durante o lulopetismo é sem dúvida um dos principais responsáveis pela débâcle do sistema político, que a lista de Janot, divulgada na última semana, traz em seu bojo. Corrupção sempre existiu. Desde Cabral. Houve malfeitos em governos passados, seria pueril não reconhecer. Mas a hecatombe ética, política e econômica tem nome e sobrenome. O pai da institucionalização da corrupção como método é conhecido. Agora, com corpinho de 2018, Lula parece que vive em 1980, como se nada tivesse ocorrido de lá para cá. Como se os brasileiros tivessem deletado da memória o que ocorreu nos 13 anos de PT no poder, Lula nutre a vã expectativa de que surgirá impávido dos escombros da Lava Jato, que, pressupõe-se, devastará parte expressiva da classe política. Apresenta-se como salvador da pátria, como aquele que construirá um novo castelo sobre as ruínas de um prédio que ele mesmo ajudou a implodir. Até mesmo a esquerda, hoje carente de propostas e lideranças, ele sufocou. O PT de Lula subjugou à sua influência os outros grandes partidos de esquerda, mantendo-os como satélites e impedindo o surgimento de novas lideranças políticas capazes de discutir o Brasil depois da lista de Janot. A Reforma da Previdência, hoje, é um exemplo disso. Legendas, mesmos as mais alinhadas ao ideário de esquerda, encontram dificuldades para apresentar propostas alternativas ao texto do governo.
Réu em cinco processos, Lula planeja viajar pelo País para intensificar a ofensiva contra autoridades que o investigam ROTEIRO CONHECIDO
Na última semana, ao sentar-se no banco dos réus pela primeira vez, Lula cumpriu o script à risca. Em seu depoimento, o petista voltou a colocar em marcha sua tática de intimidação contra autoridades públicas. Em um dado momento, chegou a exortar a militância petista a processar quem acusasse o PT de constituir uma organização criminosa – fechando os olhos para as graves evidências de desvios de recursos de estatais que abasteceram não apenas os cofres da legenda mas também o bolso de ex-dirigentes partidários, como seu ex-braço direito e “capitão do time” José Dirceu. “Eu tô cansado de ver procurador dizer que não precisa de prova, que ele tem convicção. De juiz dizer que ‘não preciso de prova, eu tenho fé, vou votar com fé’. Eu quero provas, alguém tem que dizer qual é o crime que eu cometi, aonde que eu cometi. Chamar o PT de organização criminosa? Se dependesse de mim, cada deputado do PT, cada vereador do PT, cada militante abria um processo para quem disser qual é a quadrilha”, afirmou ao juiz Ricardo Leite.
Em vez de rebater o mérito das acusações, o petista recorreu ao teatro do absurdo, aquele mesmo criado na década de 60 pelo crítico húngaro Martin Esslin. Interpretou o papel de vítima e fez propaganda política sobre sua trajetória. “Há mais ou menos três anos, doutor, eu tenho sido vítima de quase que um massacre. Eu acho que todos aqui têm dimensão do que é um cidadão que foi presidente da República, que foi considerado o mais importante presidente da história desse país, que saiu com 87% de aprovação de bom e ótimo, que fez com que o Brasil fosse respeitado no mundo inteiro e virasse protagonista internacional, de repente é pego de surpresa por manchete de jornais, por notícias de televisão, todo dia, todo santo dia. No café da manhã, no almoço e na janta, alguém insinuando: ‘Tal empresário vai prestar uma delação e vai acusar o Lula. Tal deputado vai prestar uma delação e vai acusar o Lula. Agora vão prender fulano, agora vão pegar o Lula. Prenderam a Odebrecht, vai delatar o Lula. Prenderam a OAS, vai delatar o Lula. Prenderam Bumlai, vai delatar o Lula. Prenderam o Delcídio, vai delatar o Lula. Prenderam o papa, vai delatar o Lula”, discursou, esquecendo-se que a plateia não era de militantes, como de costume, mas de autoridades jurídicas.
Ainda mais surreal foi a resposta dada à questão sobre o seu salário. Disse que recebe aposentadoria, no valor de “uns R$ 6 mil”, mais benefícios de sua mulher, Marisa Letícia, que morreu no mês passado, em decorrência de um AVC. “Acho que pode botar uns R$ 50 mil, estou tentando chutar”, disse Lula. As fontes de renda do petista são tão variadas, e são tantos os “amigos” a bancar-lhe, que nem ele consegue saber mais ao certo quanto pinga mensalmente em sua conta. Dois dias depois, soube-se que somente por meio de sua empresa de palestras, o ex-presidente recebeu R$ 1 milhão em2015, o equivalente a quase R$ 80 mil por mês.
Durante a audiência, o juiz Ricardo Leite, aparentemente, não se deixou iludir pela proverbial oratória do petista. Quando o ex-presidente entabulava a ladainha palanqueira, o magistrado logo o fazia voltar às questões objetivas da ação penal. Como quando questionou Lula sobre as acusações da delação do ex-senador Delcídio do Amaral (ex-PT-MS) e perguntou se o ex-presidente tratou da compra do silêncio do Cerveró em reuniões no Instituto Lula, com o ex-líder do governo.
O caso sobre o qual Lula foi ouvido corresponde à acusação mais leve que pesa contra ele na Lava Jato: a de ter comandado uma organização criminosa montada para comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró. É só a primeira de uma série de ações penais em andamento contra o petista. Seu segundo depoimento como réu, desta vez perante o juiz federal Sérgio Moro, está marcado para 3 de maio, em Curitiba, no processo em que é acusado de corrupção passiva pela reforma feita pela OAS no tríplex do Guarujá. Na tentativa de intimidar Moro, o depoimento promete ser quente também do lado de fora da sala de audiências. Entidades alinhadas ao PT pretendem levar 50 mil pessoas ao prédio da Justiça Federal em Curitiba. Como se o ex-presidente estivesse acima da lei e não pudesse, como qualquer outro brasileiro, ser interrogado. A segurança no local deve ser reforçada para evitar confusão.
Apesar de Lula se apresentar à Justiça como uma vítima de investigadores malvados, faz parte de sua tática de intimidação a abertura de um sem-número de processos e representações contra autoridades. Uma das mais recentes é uma ação em que o petista pede indenização por danos morais ao procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, em razão da denúncia envolvendo o tríplex do Guarujá. Lula quer que Dellagnol lhe indenize em R$ 1 milhão. Em defesa do procurador, a Advocacia-Geral da União expressou bem as reais intenções do petista: “Ao tentar fazer o réu responder a uma ação com pedido de indenização exorbitante, o autor visa interferir nas decisões e medidas adotadas no âmbito da Operação Lava Jato, criando um receio generalizado de que as ações legítimas contra o autor estarão sujeitas a fortes reações. O verdadeiro fim é intimidar e retaliar, e não compensar o dano moral dito abalado”. Os advogados de Lula também processaram o delegado da Polícia Federal Filipe Hille Pace, por ter apontado em um relatório que o petista seria o “amigo” das planilhas da Odebrecht que detalhavam o recebimento de valores ilícitos. A ação pede o pagamento de R$ 100 mil por danos morais. Em pouco tempo, porém, todos saberão oficialmente que o codinome “amigo” se devia ao seu bom relacionamento com o patriarca da família, Emílio Odebrecht.
Leia a análise de Antonio Carlos Prado: “Srs. juízes, condenem e prendam Lula já!“OFENSIVA INÓCUA
Contra o juiz federal Sérgio Moro, as ofensivas também se acumulam. Em dezembro, a defesa do petista protocolou reclamação disciplinar no CNJ (Conselho Nacional de Justiça) contra Moro, acusando-o de vazar informações sigilosas e de desvio de função por comentar, em tom crítico, a ação movida por Lula contra o delegado da PF. Também protocolaram uma queixa-crime contra o juiz federal no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, acusando-o de abuso de autoridade. No processo, os advogados de Lula pediam a suspensão das funções de Moro, por determinar no ano passado a condução coercitiva do petista, e a busca e apreensão em sua residência. Ou seja, Lula acha que deve ser submetido a um regime especial, não pode ser investigado e que qualquer decisão de Moro contra seria abusiva.
Na ausência de justificativas plausíveis para as benesses obtidas de empreiteira, Lula prefere partir para o ataque. Por ora, não tem surtido efeito. As palavras do juiz Sérgio Moro, após ser alvo de críticas por ter autorizado a condução coercitiva de Lula, traduzem bem o estado de ânimo de integrantes da Lava Jato e magistrados de qualquer instância: “Aqui, até o príncipe está sujeito à lei”. Que assim seja.
A tática de intimidação
Ex-presidente Lula trabalha para acuar autoridades e tentar sobreviver às graves denúncias de corrupção
Candidatura
Lula antecipou a disputa das eleições de 2018 para se apresentar como um perseguido da Justiça caso seja condenado e tentar politizar os processos judiciais para pressionar as autoridades a não puni-lo
Mídia
O ex-presidente tem movido ações contra veículos de imprensa e jornalistas, além de ser acompanhado em eventos por militantes que tem como um dos papeis intimidar os profissionais de comunicação e dificultar o exercício da profissão
Dallagnol
Lula pediu indenização de R$ 1 milhão em ação de danos morais contra o procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato. AGU diz que processo é para “intimidar e retaliar”
Moro
O petista também apresentou diversas medidas contra o juiz federal Sérgio Moro, como uma representação no CNJ e uma queixa-crime no TRF-4, alegando ser perseguido
Delegado
Lula processou até mesmo o delegado da Polícia Federal Filipe Pace por ter escrito em um relatório da Lava Jato que o petista era o “amigo” das planilhas da Odebrecht, alcunha que se devia à sua amizade com o patriarca Emílio Odebrecht
Audiências
Os advogados de Lula procuram o confronto verbal com os juízes, sobretudo Moro, nas audiências em que testemunhas do ex-presidente são ouvidas. Fazem de tudo para desestabilizar o juiz e depois dizerem que o objetivo dele é perseguir o ex-presidente, o que não é verdade. O juiz só não permite que os advogados tumultuem as audiências.
Fonte: http://istoe.com.br/o-brasil-depois-lulopetismo/