Em 18 de agosto de 2014, o lobista do grupo J&F, Ricardo Saud, viajou para Brasília para comunicar pessoalmente ao então vice-presidente, Michel Temer (PMDB), que obteve o aval para o repasse de R$ 15 milhões ao PMDB na campanha eleitoral, fruto de um acerto espúrio para compra do apoio a Dilma Rousseff. O relato está na delação premiada do executivo, que veio a público há duas semanas. A agenda eletrônica da Vice-Presidência da República registra apenas uma informação para aquele dia: “Sem compromisso oficial”. Um novo detalhe revelado por ÉPOCA, porém, coloca sob suspeita esses dados oficiais e aponta até mesmo um indicativo de obstrução da Justiça. Os servidores de informática do Palácio do Planalto registraram dezenas de modificações nas agendas antigas de Temer realizadas entre 11h20 e 11h31 de 18 de maio, dia em que estourou a Operação Patmos, baseada na delação da JBS e que trouxe a público graves acusações envolvendo até mesmo o presidente da República.
ÉPOCA submeteu os códigos-fonte (espécie de alfabeto das máquinas, com números, letras e símbolos usados para fazer funcionar os programas de computadores) das páginas na internet que registram as agendas antigas de Temer a dois peritos da Polícia Federal especialistas em informática, que, separadamente, chegaram à mesma conclusão: o servidor do Planalto foi acessado e as agendas antigas manipuladas naquela mesma manhã em que a PF cumpria mandados de prisão e buscas autorizados pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF). Entre os dias nos quais constam alterações no sistema está a exata data desse encontro revelado pelo lobista da JBS. No espelho das alterações realizadas na máquina central que gerencia o programa de agendas antigas de Temer, consta: “
Procurado, o Planalto apresentou uma justificativa para o acesso realizado. Em nota, reconheceu que acessou os servidores da Presidência para edição das agendas antigas de Michel Temer, mas disse que a motivação foi apenas burocrática. Nega ter modificado ou suprimido informações das agendas. “Não houve alterações feitas por funcionários do gabinete nas agendas do então vice-presidente, Michel Temer. O que houve foi apenas uma transferência dos calendários para bancos de dados para evitar problemas tecnológicos, realizada na verdade no dia 16 de maio. Essa mudança garantiu o acesso público aos dados sem problemas de confusão de informações por questões técnicas”, afirmou a assessoria do Planalto.
Mas ao analisar as mais de 100 páginas com os scripts e códigos computacionais das agendas, os peritos observaram que nem todas as agendas antigas foram modificadas no mesmo dia 18. Ou seja, um grupo expressivo fugiu do padrão: as agendas que foram manuseadas no último dia 18 de maio, no calor da operação da PF, que poderia, por exemplo ter registrado o encontro com o executivo da JBS. Na avaliação dos peritos consultados pela reportagem, como as modificações não ficaram registradas em todas as agendas, a indicação é que pode ter ocorrido uma busca por palavras-chave para a realização de alterações específicas. Consultados sobre a justificativa do Planalto, os peritos apontam que uma migração de dados deveria provocar alterações em todas as agendas, e não somente em algumas.
Pelos dados disponíveis externamente, não é possível saber efetivamente quais foram – e se ocorreram – as modificações e o histórico de edições das agendas de Temer. Somente uma perícia dentro dos servidores do Palácio do Planalto poderia resgatar o histórico das páginas e apontar efetivamente se houve supressão de dados com o objetivo de proteger Michel Temer das investigações da Lava Jato, apagando rastros que poderiam implicá-lo mais ainda. Para os especialistas, no entanto, os programas governamentais – os da própria PF, por exemplo – costumam só registrar modificações nos documentos acessados se esses foram efetivamente alterados. Ou seja, o simples consultar dos arquivos, de agendas antigas arquivadas no banco de dados do Planalto, não registraria como data de modificação o último dia 18 de maio se essas não tivessem, de fato, sido alteradas. Em todo caso, não descartam que o sistema de informática da Presidência esteja defasado. O sistema aponta alterações em agendas oficiais da Vice-Presidência da República desde 2012 até a véspera do dia em que Temer assumiu interinamente a Presidência com o afastamento de Dilma Rousseff, 12 de maio do ano passado.
Naquele dia, 18 de agosto de 2014, Michel Temer estava em Brasília e chegou a participar de uma reunião da comissão executiva nacional do PMDB. A campanha eleitoral corria a todo vapor, e sua participação nas articulações era intensa. Por isso, nada mais natural que recebesse um empresário para tratar sobre recursos de campanha, ainda que sua agenda não registre o encontro. Além desse relato de Ricardo Saud, as delações da JBS trazem muitas referências a outras reuniões com o peemedebista, evidenciando uma relação de proximidade. O próprio sócio da empresa, Joesley Batista, contou que “esteve com Temer em múltiplas ocasiões, não menos que 20 vezes, ora em seu escritório de advocacia, ora na residência de Temer, ora ainda no Palácio do Jaburu”. Também relatou diversas solicitações de pagamento de propina feitas diretamente pelo peemedebista. Já Saud contou que os encontros com Temer se intensificaram em 2014 por causa da campanha eleitoral. “Do final de agosto até o final de outubro de 2014, Temer e Saud encontraram-se em múltiplas ocasiões, ora no Palácio do Jaburu, ora no gabinete da Vice-Presidência da República, ora na residência de Temer em São Paulo, para ajustar a distribuição do dinheiro”, afirmou em sua delação. As apurações da Lava Jato indicam que a maioria desses encontros de Temer com os executivos da JBS nem tinha registro oficial. O último deles, por exemplo, ocorreu totalmente às escondidas, em 7 de março de 2017, às 22h30, e foi nele que Joesley gravou a conversa na qual relatou sutilmente que estava fazendo pagamentos ao ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), mantendo com ele uma “boa relação”. Após a polêmica, Temer passou a registrar em detalhes sua agenda.
Os códigos-fonte das páginas alteradas indicam ainda um nome como criador do conteúdo: Aline Alves Sales, assessora de Temer desde a presidência da Câmara, em 2010, e que passou a acompanhá-lo na Vice e na Presidência, como uma das funcionárias que cuidam de sua agenda. Na avaliação dos peritos consultados pela reportagem, só o acesso aos servidores do Palácio do Planalto podem garantir se Aline Alves foi autora da agenda inicial ou se foi responsável pelas eventuais alterações do dia 18 de maio. Contatada por telefone na manhã desta sexta-feira (2), Aline afirmou à reportagem que não poderia falar e recomendou que fosse feito contato com a Secretaria de Comunicação Social do Planalto. Na nota, o Planalto afirmou que Aline não fez alterações e é responsável pelos lançamentos na agenda, então seu nome consta nos códigos-fonte por ela ter sido responsável pelos lançamentos antigos. Para os peritos consultados pela reportagem, porém, a explicação mais consistente até o momento é que os servidores foram acessados com o intuito de modificação do conteúdo.
Fonte: http://epoca.globo.com/politica/noticia/2017/06/planalto-manipulou-agendas-de-temer-apos-delacao-de-joesley.html