Antes de ser procurador-geral da República, entre 2003 e 2005, Rodrigo Janot fez estágio no posto de secretário-geral da PGR. Àquela altura, Cláudio Fonteles ocupava a cadeira mais importante do Ministério Público Federal. Foi ali que Janot começou a tomar intimidade com os métodos pouco ortodoxos de investigação. Quando era subprocurador, Janot foi um dos responsáveis por incorporar ao patrimônio do MPF sofisticados equipamentos de escuta telefônica, a exemplo do Sistema Guardião empregado pela Polícia Federal em investigações especiais. Para justificar o alto investimento, ele afirmava que o aparato tecnológico ajudaria a interceptar as tramóias dos agentes do crime, entre eles, políticos que transgrediam a lei. Ao assumir a chefia da PGR, em 2013, Janot incrementou o serviço de espionagem já existente. E ampliou os alvos de seu monitoramento: passou a usar a estrutura para bisbilhotar os passos de procuradores que ocupavam gabinetes vizinhos ao seu na Procuradoria-Geral.
O responsável pela grampolândia, termo adotado pelos procuradores ouvidos por ISTOÉ, era o ex-secretário-geral Lauro Pinto Cardoso Neto. Um procurador conhecido como homem de pouca fala, educado e ao mesmo tempo muito misterioso. Cardoso Neto foi um dos poucos nomes que Rodrigo Janot aproveitou da equipe do antecessor Roberto Gurgel. A permanência dele não foi à toa. Ele havia acumulado muita informação adquirida no mandato de Gurgel. Além disso, era qualificado para a função. Tinha experiência no Exército Brasileiro como oficial. Lá, era apontado como colaborador do Centro de Inteligência do Exército (CIE) nos anos de chumbo da ditadura militar, com a atribuição de investigar opositores do regime.
MÉTODOS OBSCUROS
Tão logo recebeu a missão em 2013, Lauro tratou de montar uma espécie de aparelho de inteligência na PGR. Experiente e bem relacionado com especialistas no submundo da espionagem de Brasília, o procurador convenceu Janot a requisitar a cessão de 15 policiais militares do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar do Distrito Federal. Para camuflar a verdadeira missão dos militares dentro da PGR, Lauro usou o pretexto de que eles dariam curso de capacitação para os 850 agentes de segurança do MPF. Em quatro anos no MPF, eles só realizaram um treinamento de tiro, assim mesmo, para cerca de 30 agentes do ministério. Na verdade, o serviço dos PMs nada tinha a ver com aprendizagem: eles eram arapongas da PGR.
Ao apurar detalhes sobre o esquema, ISTOÉ ouviu subprocuradores e teve acesso a documentos sigilosos. As fontes trouxeram à luz os métodos obscuros e ilegais. Métodos esses que extrapolaram o limite de atuação de um procurador, que deveria seguir apenas a letra fria da lei, e não usar a estrutura que dispunha para alcançar seus interesses pessoais. Eles revelaram que os alvos dos grampos clandestinos de Janot não eram somente políticos ou outros implicados em operação de combate à corrupção. Mas, principalmente, seus adversários na PGR.
A reportagem de ISTOÉ apurou que um dos que teve os passos monitorados foi o subprocurador Antônio Augusto Brandão de Aras. Procurado, ele confirmou a informação. Segundo ISTOÉ apurou com fontes do MPF, desconfiado que estava sendo gravado por escutas ambientais e em seu telefone, Aras importou um equipamento detector de grampos. A amigos próximos, o subprocurador contou que guardou-o dentro da gaveta. Mas, para sua surpresa, o equipamento simplesmente desapareceu. Mesmo com Janot fora do cargo desde 17 de setembro, quando foi substituído pela procuradora Raquel Dodge, Aras acredita que continua sendo monitorado. Ele lembra que, há poucas semanas, manteve uma conversa com um grupo de procuradores sobre uma reportagem que dizia respeito à PGR. Em seguida, recebeu um telefonema estranho de Eduardo Pelella, que foi chefe de gabinete de Janot, como se ele soubesse do conteúdo da conversa. Para despistar, Pelella disse que estava ligando para avisar que havia trocado de número. “Bem, eu nunca tive o número dele. Nem tampouco ele teve o meu. Foi muita coincidência ou uma intimidação?”, questiona. Aras chegou a apoiar Janot em seu primeiro mandato. Mas, segundo fontes ouvidas pela reportagem de ISTOÉ, o procurador decidiu descolar sua imagem da do ex-PGR depois de saber dos métodos pouco convencionais adotados pelo colega com o objetivo de extrair informações a respeito de seus rivais. A partir do rompimento, Aras foi escanteado de todas as grandes operações que resultaram em processo na PGR.
Com destemor, o subprocurador Moacir Guimarães Morais Filho confirmou que ele e outros colegas da PGR vêm pedindo varredura nos gabinetes desde à época em que Janot era secretário-geral de Cláudio Fonteles. Porém, o serviço nunca ocorreu. Ele espera que a varredura seja encomendada pela nova procuradora-geral Raquel Dodge. Somente após Rodrigo Janot ter deixado o posto é que Moacir passou a usar o telefone corporativo. “Janot usa todos os métodos para combater os inimigos”, denuncia.
O BRAÇO DIREITO
A atual procuradora-geral da República, Raquel Dodge, chegou a suspeitar de que foi alvo de espionagem. No dia 3 de novembro de 2014, a luminária do teto do seu gabinete desabou. Ao se deparar com a bagunça, Raquel resolveu rearrumar sua sala e verificou que havia sinais de digitais em objetos da estante e no teto da copa do gabinete. Ela encaminhou ofício a Rodrigo Janot pedindo que fosse instaurada uma investigação para apurar a suposta invasão. Mas o trabalho só foi iniciado no dia 21 daquele mês. Mesmo assim, houve uma varredura capenga, já que não contou com a coleta de provas.
O secretário de Segurança Institucional da PGR na época era o delegado Delfim Loureiro de Queiroz, apontado como o braço-direito de Lauro Cardoso no esquema da grampolândia. Delfim é delegado da Polícia Civil do DF desde 2005. Mas nunca chegou a atuar em uma delegacia ou em qualquer repartição da corporação, pois logo foi requisitado pelo MPF.
Com gratificações e salário de origem, recebe ao todo R$ 31 mil. O delegado comandava o grupo composto por 15 policiais do Bope. Entre eles, nove cabos, dois sargentos, um subtenente, um capitão e um major. O contingente foi desfalcado pelo sargento Francisco Lurandir Moura de Oliveira. Ele se “desincompatibilizou” para disputar as eleições de 2014, quando concorreu ao cargo de deputado distrital do DF. Lurandir era importante no esquema. Mesmo sem vínculo com a PGR, participou de operações do MPF. Por ano, a folha de pagamento com esse efetivo gira em torno de R$ 1,2 milhão.
NA SOMBRA
Recentemente, a Associação dos Agentes de Segurança do Ministério Público Federal (Agempu) encaminhou a todos os secretários-gerais do Ministério Público um manifesto sobre a permanência dos policiais militares na PGR. A ata chegou ao secretário-geral do MPF na PGR, Blal Yassine Dalloul, que substituiu Lauro Cardoso em 2016. Mas nada foi feito. Os agentes envolvidos na estrutura de grampos ilegais continuariam a agir na sombra. Para surpresa e decepção dos demais subprocuradores, Lauro foi incorporado à equipe de Rachel Dodge.
Embora o Tribunal de Contas da União (TCU) tenha determinado a imediata devolução dos servidores cedidos, a PGR contraria a decisão e ainda mantém os policiais em seus quadros. Continua tudo como d’antes no quartel de Janot. Resta saber, agora, se Rachel Dodge está disposta a tomar providências para se livrar da herança do antecessor, em desarmonia com as boas práticas administrativas.
Recrutado por Rodrigo Janot para comandar a arapongagem, o ex-secretário-geral da PGR Lauro Pinto Cardoso Neto foi colaborador do Centro de Inteligência do Exército na ditadura militar. Homem de poucas palavras, mas dono de uma aura de mistério, Cardoso Neto usou sua expertise e a boa relação com especialistas no submundo da espionagem de Brasília para cumprir a tarefa à risca. Qual seja, a de bisbilhotar procuradores apontados por Janot como inimigos internos.
Fonte: https://istoe.com.br/as-escutas-ilegais-na-procuradoria-geral-da-republica/