Um país que confie em seus políticos e políticos que representem seus eleitores. Esse é o pensamento que perpassa a origem de todos os novos movimentos políticos que surgiram no Brasil no último ano. Eles têm como objetivo reduzir a distância entre a população e a política e são formados por jovens engajados, que fazem parte de uma geração que estudou para batalhar por uma nova democracia.
Os novos grupos propõem mudanças, desenvolvem mecanismos para recuperar a ética, incentivam o surgimento de novos nomes para ocupar cargos públicos e pressionam o Congresso para aprovar as transformações que desejam colocar em prática. “O que há de novo nisso tudo é o que o desejo por uma maior participação nas tomadas de decisão vem acompanhado por novas ferramentas que nos permitem ultrapassar as velhas barreiras da ação coletiva”, afirma Ricardo Borges Martins, cientista social, articulador de diversos movimentos e coordenador do grupo Reforma Que Queremos. “A revolução digital é um marco de repercussões profundas para a democracia”, diz. É por meio dessas plataformas que os movimentos Transparência Partidária, Agora, Acredito, Bancada Ativista e Nova Democracia planejam suas ações, se articulam, cobram transparência, monitoram governos e mobilizam outros cidadãos em torno da crença de que política não se faz apenas por meio do voto.
Nos últimos anos, os escândalos de corrupção desencadearam uma forte crise de representatividade que abalou políticos e partidos. Segundo uma pesquisa que acaba de ser divulgada pela Transparência Internacional, 78% dos brasileiros acreditam que a corrupção aumentou nos últimos 12 meses. “Há um desencantamento com a política institucional e uma percepção de que todos os partidos agem de forma ilícita”, afirma Esther Solano, doutora em ciências sociais e pesquisadora da Unifesp. Mudar esse quadro exige novas formas de atuação, capazes de vencer a inércia e o ceticismo que abala parte da sociedade. Um levantamento do Instituto Update mapeou 700 iniciativas que reduzem a distância entre a sociedade e o poder público em toda a América Latina. O grande diferencial desses novos grupos é que eles se estruturam sem as inclinações político-partidárias de antes. Preocupados em transformar temas complexos em assuntos palatáveis, se empenham em facilitar o acesso da população às instâncias políticas. “Eles desejam reconstruir a cultura política de uma forma inovadora e têm a missão pedagógica de mostrar que o cidadão é parte desse processo”, diz Esther. Ao mesmo tempo em que nunca houve tantos meios de cobrar transparência da classe política, a dúvida sobre “quem nos representa” é cada vez mais evidente. “Entre o prometido e o executado há um trajeto de quatro anos e uma falta de capacidade para monitorar as ações dos governantes”, afirma Wagner de Melo Romão, cientista político e pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Participação, Movimentos Sociais e Ação Coletiva da Unicamp. “Existe uma clara tendência de que o Estado deve se abrir”, diz.
TRANSPARÊNCIA
Com 50 mil apoiadores em todo o País, o Movimento Transparência Partidária transformou os debates sobre reforma política em formas de fiscalização de partidos políticos. “As legendas são financiadas com o dinheiro público e o processo de prestação de contas é muito rudimentar”, afirma Marcelo Issa, 35 anos, advogado, cientista político e coordenador do grupo. O movimento realizou um estudo sobre os cinco maiores partidos do País – e as descobertas impressionam. Dos R$ 738 milhões disponíveis para o fundo partidário em 2016, 34,8% se concentraram nas mãos das três maiores legendas. A prestação de contas é enviada ao Tribunal Superior Eleitoral até hoje em papel. Em 2017, o TSE ainda se debruça sobre documentos de 2011. “Isso precisa estar disponível de forma padronizada na internet”, diz Issa. Após coletar milhares de assinaturas, o grupo montou uma frente parlamentar pela transparência partidária, que lançará um ranking das legendas no primeiro semestre de 2018. “As pessoas precisam saber de que forma o dinheiro é usado. A transparência é a contrapartida mínima que os governantes devem oferecer, já que estão sendo vistos como os principais atores da corrupção dos últimos anos”, afirma Issa.
Também com o objetivo de “revisar as regras do jogo”, nasceu em dezembro do ano passado o Nova Democracia. O grupo, que não se identifica com correntes ideológicas específicas e não tem ligação formal com partidos, quer aproximar o cidadão comum da política. “A demonização da política vem do afastamento das pessoas que estão no poder, por isso queremos inaugurar um novo ciclo democrático”, afirma Marina Medeiros Helou, 30 anos, administradora pública e uma das coordenadoras do movimento. Em março desse ano, o grupo lançou uma carta de princípios na internet que reuniu 470 apoiadores. Além de esclarecer como funciona o sistema político, os integrantes do movimento vão a Brasília acompanhar a evolução das decisões do Congresso. Esse ano, o grupo pressionou para que não fossem aprovados o distritão (facilitaria a reeleição dos atuais deputados) e o fundão, ou Fundo de Financiamento da Democracia, que previa R$ 3,6 bilhões para financiar campanhas. “Mobilizamos quase 30 mil pessoas que escreverem e-mails para deputados contra o avanço dessas medidas.” Outra ideia é trazer para o Brasil o modelo de “voucher político”, já bastante discutido nos Estados Unidos. O valor atual do fundo de financiamento partidário de R$ 1,7 bilhão seria dividido por todos os cidadãos e cada um saberia o destino do dinheiro doado. O objetivo é tornar o financiamento público uma ferramenta mais democrática.
ATUAÇÃO PRAGMÁTICA
Modificar a cultura política de forma suprapartidária e ainda mais participativa é a ambição desses novos militantes, que enxergam a tecnologia como aliada para exercer a cidadania. “Esses movimentos ganham força em uma sociedade cada vez mais conectada, com dinâmicas menos dependentes de estruturas tradicionais de poder e com uma demanda universal por abertura e transparência”, diz Martins. São coletivos com menos coesão ideológica e mais pragmatismo e autonomia. Em julho, um grupo de amigos de diferentes vertentes ideológicas lançou um manifesto na internet convocando uma nova geração para renovar a política. “Percebemos que existe uma demanda reprimida na população, sobretudo, nos jovens”, afirma José Frederico Lyra Netto, 33 anos, consultor, engenheiro e co-fundador do movimento Acredito. Em poucos meses, o grupo já reúne 25 mil seguidores nas redes sociais, possui um núcleo nacional formado por 50 pessoas e uma rede de mil voluntários em todo o País. “Somos um movimento que pretende apoiar causas independentemente de partidos”, diz Lyra Netto. O coletivo criou uma metodologia própria para incentivar pessoas a conhecerem a política. Com integrantes ativos em dez estados, eles promovem reuniões temáticas: em setembro, abordaram a reforma política, em outubro, a reforma da previdência. Voluntários questionam moradores sobre quais os problemas de cada região e as políticas públicas mais adequadas. “Com isso, muita gente pode se descobrir politicamente.” O movimento criou, então, um modelo de seleção prévia para escolher 30 pessoas que desejam se candidatar. Elas serão apoiadas com visibilidade e formação até antes das campanhas. “Queremos encontrar cidadãos que queiram se arriscar, afinal o Congresso deve ser o espelho da sociedade”, afirma Lyra Netto.
RESGATE DA CONFIANÇA
Nessa mesma linha nasceu também o Agora, movimento que busca soluções para temas como segurança, educação e sustentabilidade. O nome reflete a urgência das mudanças em um ambiente de efervescência. Os integrantes percorrem diversos estados para fazer as “blitz Agora”: questionários que tentam mapear os problemas locais para então propor soluções. “Precisamos de professores, empreendedores e profissionais liberais na política”, diz André Barrence, 33 anos, membro do grupo. A ideia é não apenas para resgatar a confiança da sociedade como impedir que política seja um reduto permanente dos mesmos nomes e grupos de interesse. Essa é também a intenção da Bancada Ativista, criada em 2016. O nome foi escolhido em alusão às bancadas que ocupam as casas legislativas. “Nosso objetivo é ajudar a eleger ativistas por meio de campanhas colaborativas e pedagógicas que fujam dos vícios da política atual”, afirmam os criadores da Bancada. O grupo organiza ações presenciais e digitais para reunir em um mesmo espaço cidadãos comuns e pessoas que tenham interesse em se tornar candidatos. Também se posicionam contra o fundão e o distritão e levantam a bandeira das candidaturas independentes de partidos políticos, mudança que vem sendo analisada pelo Supremo Tribunal Federal.
Ainda que a tecnologia seja o grande diferencial desses novos coletivos para ampliar o alcance e as formas de exercer a cidadania, nada substitui a troca de ideias em campo. Desde 2014, a Virada Política vem abrindo espaço para discussões. Trata-se de um evento que ocorre em dois dias, em novembro, com a participação de dezenas de coletivos. Mais de 80 grupos estão inscritos para a próxima Virada – e a organização estima que o número de participantes deva chegar a 5 mil só em São Paulo. O encontro ocorrerá também em Brasília, Rio de Janeiro e Recife. “A política tem estado mais na boca das pessoas desde 2013, mas isso não quer dizer que o debate tenha se qualificado, por isso o objetivo da Virada é melhorar a cultura política”, afirma Maísa Diniz, 29 anos, administradora pública e uma das organizadoras. De caráter didático, o encontro busca tornar as pessoas mais conscientes de seu poder de participação. Um exemplo é mostrar como a população pode cobrar ações de vereadores em áreas como saúde, educação e transporte.
Agora, esses movimentos reúnem todos os esforços para tornar o debate mais qualificado em 2018, mas ainda assim as dificuldades a serem enfrentadas não são poucas. “Será um período interessante para verificar o posicionamento de cada um deles em um ambiente extremamente polarizado”, diz Romão, da Unicamp. “O grande desafio, porém, será ir além do temporário e construir uma atuação contínua.” Na prática, segundo o especialista, mudanças políticas requerem tempo para se consolidar. Além disso, esses coletivos terão de enfrentar representantes já bem instalados em suas bases de eleitores e grupos políticos com recursos econômicos – o que lhes impõe o desafio de ultrapassar a efemeridade. No que depender dos novos movimentos, disposição e planejamento não vão faltar. “Precisamos, com urgência, superar a onda de intolerância que vem se intensificando no País desde 2014”, diz Martins. “E o que os movimentos têm mostrado é que problemas da democracia só serão resolvidos com mais democracia. A solução para a política é mais política, e não o contrário.”
Fonte: https://istoe.com.br/um-novo-jeito-de-fazer-politica-2/