Leitura

11/11/2017

Fernando Segóvia: A mais difícil das missões

Após dar expediente por dois anos em uma ampla casa de dois andares com um jardim repleto de árvores localizada em Pretória, a capital administrativa da África do Sul, o delegado da Polícia Federal Fernando Queiroz Segóvia Oliveira, de 48 anos, subiu ao 9º andar do edifício-sede da PF em Brasília por volta das 19 horas da última quarta-feira, dia 8, para assumir uma nova função. Horas antes, o Ministério da Justiça anunciara que Segóvia havia sido escolhido pelo presidente Michel Temer para ser o novo diretor-geral, cargo estratégico por representar a autoridade máxima na corporação, responsável por conduzir investigações que atingem o núcleo duro do governo e sensível por ser um dos motores da Operação Lava Jato.

Vestindo terno escuro, camisa branca e uma gravata roxa, Segóvia foi recebido no gabinete por Leandro Daiello, que até então era o ocupante do cargo  – o mais longevo diretor- geral da PF no período democrático recente. Tiveram uma conversa informal, na qual acertaram o dia da cerimônia de posse para 20 de novembro, e posaram para uma foto descontraída, em que trocam um aperto de mão, sentados e sorrindo. A nomeação foi publicada no Diário Oficialda quinta-feira, dia 9, permitindo a Segóvia já se sentar na cadeira de diretor-geral para iniciar o processo de transição com Daiello e começar a conhecer a equipe que comandará.

Há meses o governo de Michel Temer discutia – com intensidade e vontade, mas com receio – a troca do diretor-geral da PF, que estava no cargo desde janeiro de 2011. Desde que assumiu como ministro da Justiça, no final de maio, Torquato Jardim falou mais de uma vez na demissão de Leandro Daiello – mas, diante da má recepção, foi obrigado a recuar. Com o próprio presidente da República denunciado duas vezes pela Procuradoria-Geral da República por três crimes, sob risco de perder o cargo, e oito ministros investigados pela Lava Jato, sendo os dois mais próximos de Temer (Eliseu Padilha, da Casa Civil, e Moreira Franco, da Secretaria de Governo) bastante enrolados em delações, o governo tinha de esperar. Não podia se arriscar.

Contudo, desde que Temer se livrou da segunda denúncia, no mês passado, abriu-se a oportunidade para efetivar a desejada troca. Segóvia não era o nome favorito de Torquato Jardim, seu superior imediato; tanto que o ministro deixou claro em nota que a escolha não fora sua, mas do Palácio do Planalto. Seu mais decisivo defensor foi o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, do PMDB, também um dos mais ilustres investigados pela Lava Jato. O novo DG, expressão usada no jargão da polícia, começa portanto com um enorme peso nos ombros. Além de ter de continuar a Lava Jato neste momento bastante difícil, Segóvia terá de dissipar a desconfiança gerada pelos inevitáveis apoios políticos que o levaram ao cargo mais importante da carreira.


Um delegado da Lava Jato em Curitiba ouvido por ÉPOCA afirmou que, por enquanto, vê com “desconfiança” a nomeação, que poderá se dissipar a depender do desempenho de Segóvia. A Lava Jato será o principal front para Segóvia. Após três anos e meio de avanços, a operação passa por um momento difícil. Parte da equipe inicial da Polícia Federal deixou a operação e, em julho, o grupo formal da Lava Jato foi desfeito. As investigações, antes concentradas nessa turma que conhecia as provas, foram distribuídas para vários delegados. Há uma inegável desaceleração nos trabalhos. Há uma clara perda de terreno diante de decisões desfavoráveis tomadas pelo Supremo Tribunal Federal. Os políticos, que antes temiam a Lava Jato, agora a afrontam abertamente. Retomar o protagonismo é necessário, mas é um desafio que parece distante. 

Há 22 anos na PF, Segóvia voltou ao Brasil do confortável posto na África do Sul há aproximadamente oito meses, mas não tinha chegado a assumir nenhuma função específica. Antes de ser adido, ocupou o cargo de coordenador-geral de correições da Corregedoria da PF em Brasília, até o fim de 2014. Sua trajetória na corporação também inclui atuação em áreas como controle de armas e questões indígenas. Coube a ele, por exemplo, comandar o processo de desocupação de parte da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, e evitar um confronto entre índios e fazendeiros – que foram retirados do local após uma decisão do Supremo Tribunal Federal.Segóvia foi apontado por adversários também como próximo do ex-presidente José Sarney, por ter sido superintendente da PF no Maranhão no início dos anos 2000. Por outro lado, diga-se em sua defesa, foi no período sob sua direção que a PF tocou a mais aguda investigação contra o clã Sarney. Indiciou Fernando Sarney, um dos filhos do ex-presidente, na investigação conhecida como Boi Barrica, depois rebatizada Faktor, que detectou transações financeiras suspeitas de lavagem de dinheiro – e que, naqueles tempos pré-Lava Jato, acabou anulada pelo Superior Tribunal de Justiça. Sua gestão também desbaratou um esquema de desvio de verbas de construções de assentamentos do Incra do Maranhão, que envolvia a cúpula do PT local.

Quando atuava em Brasília, Segóvia tinha um compromisso marcado toda quinta-feira à noite com seus colegas de corporação. Era o dia sagrado do futebol, que permitiu ao delegado estabelecer uma boa relação com diversas outras categorias da PF, como os agentes e os peritos. “Agregador” é um adjetivo comumente usado para defini-lo por colegas que apoiaram sua nomeação. “A Polícia Federal tem uma estrutura que não permite interferências em investigações. A própria Lava Jato já teve mudanças de equipe, de coordenação, e ela está aí seguindo e fazendo o trabalho que tem de fazer”, afirmou o presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais, Marcos Camargo. Outras quatro entidades de policiais federais divulgaram uma manifestação de apoio ao novo diretor-geral. A Associação dos Delegados da Polícia Federal divulgou nota desejando “sorte e sucesso” ao novo DG, mas sem fazer elogios pessoais. A associação quer que o governo adote na PF o mesmo sistema de sucessão do Ministério Público Federal, pelo qual os integrantes votam numa lista tríplice, que é enviada ao presidente da República para escolha. Segóvia não estava na lista que a ADPF elaborou.

Segóvia deve permanecer no posto até o final do governo Temer. O principal fiador da longevidade de seu antecessor, Leandro Daiello, foi o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, que assumiu a Pasta logo no início da gestão de Dilma Rousseff. Então superintendente da PF em São Paulo, Daiello foi nomeado em janeiro de 2011 e foi sob sua gestão que estourou a Operação Lava Jato em Curitiba – que recebeu forte apoio estrutural de Brasília no início, mas com o tempo foi perdendo equipe e apoio administrativo, até chegar à extinção formal do grupo de trabalho. Após a saída de Cardozo da Pasta, em fevereiro do ano passado, os ministros seguintes quiseram mexer no comando da PF, mas desistiram diante da possibilidade de a ação ser vista como tentativa de abafar a Lava Jato. A interlocutores, Daiello comentava que já estava cansado do posto e que desejava deixá-lo. Segóvia saberá a partir de agora por que o cargo cansa.

Fonte: http://epoca.globo.com/politica/noticia/2017/11/fernando-segovia-mais-dificil-das-missoes.html