Até sexta-feira passada, o caso Queiroz não passava de uma pedra no sapato do presidente Jair Bolsonaro. Uma boa pedra, diga-se de passagem. Dois dias depois, contudo, transformou-se num pesado tijolo.
Na esteira das investigações da Lava Jato no Rio de Janeiro que miraram 22 deputados estaduais suspeitos de corrupção, um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) revelou também que a conta corrente de um assessor do deputado estadual Flávio Bolsonaro que tinha rendimentos de cerca de R$ 23 mil por mês, movimentara R$ 1,2 milhão no período de um ano, entre 1º de janeiro de 2016 e 31 de janeiro de 2017.
O extrato flagrado em Brasília também registrou 59 depósitos fracionados em espécie que totalizaram R$ 216 mil, o que poderia indicar tentativa de ocultação de valores. Além disso, Fabrício Queiroz fez 176 saques em 30 agências bancárias de 14 bairros cariocas que somaram R$ 324 mil.
Cheques que somaram R$ 24 mil, em nome da primeira-dama, Michelle de Paula Firmo Bolsonaro, também foram compensados na conta do ex-assessor.
Soube-se, mais tarde, que Queiroz, exonerado em 15 de outubro, era motorista do primogênito de Jair Bolsonaro, amigo do presidente da República desde os anos 1980, figura constante em churrascos na Barra da Tijuca, ex-paraquedista do Exército e subtenente da reserva da Polícia Militar (PM). De tão próximo da família Bolsonaro, indicou a mulher, duas filhas, uma enteada e o ex-marido da mulher para trabalhar tanto na Alerj quanto no gabinete do então deputado Jair Bolsonaro em Brasília. De tão próximo da família Bolsonaro, levou uma multa por ultrapassar os limites de velocidade da estrada que liga o Rio a Juiz de Fora, em Minas Gerais, ao conduzir o deputado Flávio em direção ao pai, que havia levado uma facada durante um ato de campanha.
A desconfiança inicial foi amplificada pelo incômodo silêncio das partes envolvidas. Transformado em alvo de um procedimento investigatório criminal no Ministério Público do Rio em julho, Queiroz foi convocado a dar explicações quatro vezes — nos dias 14, 16, 19 e 21 de dezembro do ano passado. Faltou em todas. Chamado a depor, Flávio Bolsonaro também preferiu recolher-se.
Mais tarde, descobriu-se que alguns depósitos na conta do ex-assessor ocorreram em datas próximas aos dias de pagamento da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), o que poderia configurar uma famigerada prática da política brasileira: a devolução de parte dos salários de empregados no gabinete.
O silêncio de Queiroz e de Flávio — quebrado apenas em entrevistas concedidas ao SBT, emissora de Silvio Santos, amigo do presidente — reverberou também nos oito assessores e ex-assessores de Flávio que transacionaram valores com Queiroz. Todos foram procurados pela imprensa. Todos fugiram da imprensa.
Na sexta-feira passada, o Jornal Nacional noticiou um novo relatório do Coaf. Desta vez, com registros da conta de Flávio Bolsonaro. O senador eleito recebeu 48 depósitos fracionados de R$ 2 mil cada, entre junho e julho de 2017, totalizando R$ 96 mil. Alguns deles feitos sequencialmente em intervalos curtíssimos de tempo. Na visão de especialistas, uma clara tentativa de ocultar dinheiro de órgãos de fiscalização.
Um dia antes, o próprio Flávio potencializou o escândalo de que é alvo ao pedir ao Supremo Tribunal Federal (STF) que suspendesse as investigações contra Queiroz no MP do Rio. Caiu mal. O ministro Luiz Fux — o mesmo que rejeitou denúncia de racismo contra Bolsonaro, arquivou investigações contra o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e cuja filha, a desembargadora Marianna Fux, é amiga íntima de Gustavo Bebianno, secretário-geral da Presidência — atendeu ao pedido. Apesar de postergadas, as investigações do MP, contudo, devem continuar em fevereiro, após o recesso do Judiciário, segundo indicou o relator do caso no STF, ministro Marco Aurélio Mello.
No sábado, outra revelação bombástica. Mais uma vez por meio do Jornal Nacional, os brasileiros souberam que Flávio Bolsonaro pagou um título bancário da Caixa Econômica Federal no valor de R$ 1,016 milhão. A informação consta de novo trecho do relatório do Coaf, que não conseguiu identificar quem recebeu a montanha de dinheiro.
Neste domingo, o colunista do jornal O Globo, Lauro Jardim, publicou que as movimentações atípicas na conta do ex-assessor Queiroz foram muito mais graúdas do que se imaginava. Totalizaram R$ 7 milhões entre 2014 e 2017.
Operado de um câncer no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, no primeiro dia do ano, Queiroz permanece na capital paulista, embora em lugar incerto e não sabido. Flávio passou o fim de semana na cidade. Flagrado por O Globo no avião, disse que foi “visitar uns amigos”. Jair Bolsonaro prepara as malas para ir a Davos, na Suíça, na noite deste domingo, onde fará na quarta-feira sua estreia em um evento internacional como presidente da República ao discursar no Fórum Econômico Mundial.
Aqui no Brasil, o silêncio impera. E o sapato do presidente, cada vez mais, segue desconfortável.
Fonte: https://epoca.globo.com/a-pedra-no-sapato-do-presidente-virou-um-tijolo-23387641