Indo direto ao ponto: seria melhor para o novo governo seguir adiante com a reforma da previdência social, tida como fundamental para o equilíbrio dos gastos públicos, ou observar com mais acuidade os dados levantados pela CPI da Dívida Pública, encerrada em maio de 2010, quando foram encontrados graves indícios de ilegalidade no endividamento?
O que uma coisa tem a ver com a outra? Para alguns economistas, o verdadeiro rombo estaria na dívida pública, pois somente o pagamento de juros e a amortização comprometem 30% do orçamento governamental, enquanto a Seguridade Social seria “altamente superavitária”.
Em 1931, o presidente Getúlio Vargas determinou a realização de auditoria da dívida externa brasileira, depois de constatar que apenas 40% dos contratos estavam documentados. Resultado: conseguiu um bom desconto, que ajudou o governo a iniciar o processo de industrialização nacional, bem como para a implantação de direitos sociais. Recentemente, em 2007, o presidente do Equador, Rafael Correa Delgado, fez algo semelhante e conseguiu abater 70% da dívida sobre a qual não havia comprovação.
Se os dados da CPI da Dívida Pública estiverem corretos – caberia, a fim de confrontá-los, realizar justamente uma auditoria –, tudo indica que a situação da dívida do Brasil atualmente seria parecida com a verificada no século passado, já que, somando as dívidas interna e externa, o montante ultrapassa os R$ 5 trilhões (maio de 2018), valor corresponde a 75,9% do PIB. Quanto desse total está devidamente comprovado? Ninguém sabe!
Já, de acordo com a assessora técnica da CPI da Dívida Pública, Maria Lucia Fattorelli, à época auditora Fiscal da Receita Federal (1982 a 2010), o propagandeado “déficit da Previdência” seria “uma farsa”. A conta estaria “distorcida”, porquanto “a Previdência Social é (apenas) um dos tripés da Seguridade Social, junto com a Saúde e a Assistência Social”. Dados da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil apontam para a sobra de recursos na Seguridade Social – algo como R$ 11,7 bilhões em 2015.
Ao criar o tripé da Seguridade Social, os constituintes de 1988 também estabeleceram as fontes de receitas, quais sejam: empresas contribuem sobre o lucro (CSLL) e pagam a parte patronal da contribuição sobre a folha de salários (INSS); trabalhadores contribuem sobre os salários (INSS) e a sociedade contribui por meio da contribuição embutida em tudo o que adquire (Cofins). Além dessas, há contribuições sobre importação de bens e serviços, receitas provenientes de concursos e prognósticos, PIS, Pasep, entre outras.
De fato, ao estabelecer a Seguridade Social como sistema integrado composto pelas áreas da Saúde, Previdência e Assistência Social, em momento algum o legislador disse que seu financiamento seria arcado somente pelas contribuições ao INSS. O governo, portanto, joga sujo quando não apresenta o orçamento da Seguridade Social como deveria. Da forma como está, apontam economistas, a conta jamais será positiva, permitindo a embromação usada para justificar a reforma.
O estranho é que parece haver algo realmente sinistro quando o assunto é auditar a dívida pública nacional. Em 2017, o presidente Michel Temer vetou a realização de uma auditoria. Não satisfeita, a Associação Auditoria Cidadã da Dívida solicitou na Justiça Federal o “exame analítico e pericial dos atos e fatos geradores do endividamento externo brasileiro” – a entidade disse que em 2016 a dívida pública alcançou R$ 4,5 trilhões, e vem crescendo apesar do pagamento de “juros extorsivos”, remuneração de bancos privados e prejuízos ao Banco Central em operações de câmbio.
De acordo com o pedido, acatado integralmente pelo juiz Waldermar Cláudio de Carvalho da Justiça Federal de Brasília, “o Congresso Nacional descumpre desde outubro de 1989 o artigo 26 do ADCT, que mandou o Legislativo auditar a dívida pública até um ano depois de promulgada a Constituição Federal”. A Advocacia-Geral da União (AGU) recorreu contra a decisão. A auditoria foi finalmente enterrada por decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região em meados do ano passado.
Mas, afinal, a quem interessa reformar a previdência? Alguns economistas enxergam o “olho gordo” do mercado na crescente perspectiva ultraliberal em voga em vários países onde “cada indivíduo é responsável direto por sua própria aposentadoria”, no sentido contrário ao modelo solidário adotado no Brasil. Ou seja, um sistema privado de capitalização no qual o trabalhador leva a aposentadoria para o sistema financeiro e proporciona com isso lucros estupendos aos bancos, que hoje já faturam alto com a dívida pública. Boa jogada, não é mesmo?
O relatório da CPI da Previdência encerrada em 2017 descarta a necessidade de reforma ao apontar a existência de uma série de dados e informações anunciadas pelo governo que seriam “inconsistentes”. Diz ainda “que o sistema não tem deficit, em que pese as enormes desonerações sobre as folhas de pagamento, importações e renúncias fiscais de amplo espectro”.
Diante de tantos argumentos sólidos em desfavor da reforça previdenciária, o ideal é que o debate seja amplo, geral e irrestrito. Quem esperou até agora, poderá aguardar mais uns meses para que se possa tratar em detalhes todas as questões, inclusive os dados do tripé da Seguridade Social, trancados a sete chaves. Por ora, nada melhor do que ler fontes diversas e buscar mais dados sobre o tema, até para evitar que sejamos iludidos (ou cooptados) pela propaganda oficial.
Fonte: http://www.faxaju.com.br/index.php/2019/02/25/a-quem-interessa-reformar-a-previdencia-por-david-leite/