Leitura

14/03/2019

SOBRE POLICIAIS BANDIDOS, ARMAS E MASSACRES

Sim, eu sei, já falei sobre esse assunto. Mas os fatos se impõem, atropelam outros temas. Ontem, terça-feira, 12 de março, foram presos dois suspeitos do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Um, PM na reserva; o outro, ex-PM. Não conheço o perfil dos matadores em outros países, em outras organizações criminosas. Aqui, no Rio de Janeiro, há uma incômoda tendência: PM, policial civil, ex-PM, ex-policial civil…

As corregedorias das duas corporações atuam, mas essa frequência assustadora de prisões e expulsões de policiais não inibe que continuem aparecendo policiais pistoleiros, ladrões, sequestradores, corruptos. Parece uma atração maldita, um ímã de banditismo que concentra o que há de pior.

Qual é a solução? Não faço ideia, e desconfio de que nem exista uma. A polícia de um país é reflexo de sua sociedade. Um povo violento gera policiais violentos; um povo com falhas de caráter destila do seu caldo azedo uma polícia bandida.

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A tragédia da escola Raul Brasil, em Suzano, Região Metropolitana de São Paulo, nesta quarta-feira, expõe alguns pontos. Primeiro, e apenas para registrar, a tentativa abjeta de uso político da morte de (até agora) dez pessoas, entre elas adolescentes. Segundo, a obviedade de que quem mata são pessoas, não armas; houve vítimas atingidas por machadadas, os assassinos levaram um arco e flecha. Terceiro, o Estatuto do Desarmamento ainda está em vigor, não há distribuição de armas e munição nas ruas — nem haverá. 

Quarto: não é o “clima de ódio e polarização” que provoca um massacre do tipo; a tragédia da Escola Tasso da Silveira, em Realengo, deixou 13 mortos e aconteceu em 2011, em plena era PT e bem longe da beligerância atual. As motivações para o massacre de Suzano ainda surgirão, mas certamente nasceram de uma mistura de frustração, revolta mal contida e, principalmente, um profundo desprezo pela vida alheia. Nossos filhos, nossos netos, nossos irmãos não foram ensinados (em casa, na escola e na vida) a respeitar a existência do próximo. O desprezo ao outro, no limite, despersonaliza. E torna o ser humano descartável. Não fosse assim, não teríamos quase 60 mil mortos por ano.

 

Não me interessa aqui fulanizar a discussão. Ontem, foram Ronnie e Élcio na cadeia. Antes, foram outros nomes. Em breve, novos nomes surgirão. A exemplo da fila dos bandidos, a dos policiais criminosos também anda. A demanda pelo serviço sujo que existia continuará existindo. E, com ela, brotarão os animais das sombras dispostos a dar conta da encomenda. E a incômoda repetição ressurgirá: PM, policial civil, ex-PM, ex-policial civil.

O que há de errado com o ethos dessas corporações? Em outubro de 2017,o jornal Extra mostrou que a Polícia Militar do Rio expulsa um PM a cada dois dias por cometer crime. Estou com os dados aqui na minha frente. Homicídio, corrupção, extorsão, receptação, tráfico, sequestro: tem delito para todos os gostos e caracteres. Na Polícia Civil, tem policial preso com fuzil em boate , tem acusado de extorsão ...

O que move esses policiais para o crime? Certeza da impunidade? Talvez. Má remuneração? De jeito algum. Primeiro, porque no topo da cadeia alimentar da PM e da Polícia Civil os salários são bastante respeitáveis, e ainda assim temos coronéis e delegados delinquindo. O fato de portarem arma? Fosse assim, teríamos também uma chuva de militares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica metidos em crimes. Há desvios, mas não na escala das polícias. A convivência diária com o crime? Fosse por isso, as polícias do mundo inteiro seriam clubinhos de criminosos fardados.

Chegamos ao tempo que Drummond descreve em “Os ombros suportam o mundo”. Como ele diz ao fim do poema:

Alguns, achando bárbaro o espetáculo

prefeririam (os delicados) morrer.

Chegou um tempo em que não adianta morrer.

Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.

A vida apenas, sem mistificação.

Fonte: https://epoca.globo.com/sobre-policiais-bandidos-armas-massacres-23519321