Em meados de fevereiro de 2017, na paralisação da Polícia Militar do Espírito Santo, grande parte da população sentiu os efeitos negativos da ausência da ostensividade das forças policiais, resultando na disparada da violência e dos números de homicídios e roubos.
Muitas situações de terror foram testemunhadas pela população, uma delas vivenciada por mim junto à minha família, numa simples ida à padaria em meu bairro. Devido à natureza da atividade que tenho, policial federal, no entanto, o caso ocorreu sob uma perspectiva diferente.
Na parte interna da padaria pairava no ar um incômodo clima de inquietação devido às sucessivas notícias de crimes, quando a frágil normalidade foi rompida com homens, mulheres e crianças correndo para dentro do local e tentando esconder-se ao fundo. O dono do estabelecimento explicou que estavam ocorrendo arrastões na rua e que o indivíduo ao seu lado, à paisana, portando arma de fogo, era um Policial Militar.
Ao identificar o terror nos rostos das pessoas e a gravidade da situação, resolvi agir e tive de fazer um enorme esforço para soltar a mãozinha de minha filha, que suava de nervoso. Olhei para ela e disse: ‘tome conta da sua mãe, fique aqui, eu volto para apanhar vocês’. Minha esposa estava aflita, porém compreendeu instantaneamente a necessidade do momento.
Apresentei-me, com o distintivo já em volta do pescoço, ao colega policial. Em fração de segundos foi estabelecida uma parceria entre dois indivíduos que jamais tinham se visto, ambos tendo em suas mãos pistolas e se lançando voluntariamente ao obscuro e iminente enfrentamento. Saímos à rua caminhando firme em direção ao foco do problema, na contramão da população.
A esta altura, já tomada pelo pânico, as pessoas tinham atitudes diversas: umas corriam, outras choravam, algumas prestes a desmaiar, e havia quem aplaudisse nossa chegada. Transeuntes indicavam que os assaltos estavam acontecendo no ponto de ônibus próximo. Alcançamos o foco, e de certa forma, debelamos o problema, visto terem os bandidos fugido em suas motos após a reação policial. Resgatada a tênue tranquilidade, regressamos, porém persistia a angústia de ter deixado minha família num lugar fragilizado pelas circunstâncias para sair em defesa de outros que sequer conhecia.
Retornei íntegro conforme prometi à minha filha, contudo, a reflexão é inevitável. Que profissão é essa que pelo juramento proferido, mesmo estando num aparente dia de “folga”, o policial, seja Federal, Civil ou Militar, se lança ao perigo? Que não faz distinção entre as forças policiais mesmo com a possibilidade de tiro do bandido? Um ofício árduo em que o apoio daqueles outrora vitimados pode rapidamente transformar-se em acusações e censuras por uma atitude mal realizada num intervalo mínimo de tempo para tomada de decisão e de execução?
Eu não espero compaixão do bandido, mas desejo reconhecimento da sociedade à tão espinhosa profissão e, principalmente anseio que haja coerência e respeito por parte do Governo Federal e dos parlamentares, em manter a atividade de risco da função policial, conforme disposto no inciso II, do parágrafo 4º, do art. 40 da Constituição Federal. Ou será que ainda persiste alguma dúvida quanto ao risco dessa digna e diferenciada profissão?
Hélio de Carvalho Freitas Filho é agente federal e vice-presidente do Sindicato dos Policiais Federais do Espírito Santo.
Fonte: http://fenapef.org.br/o-medo-na-padaria-e-o-perigo-na-vida-de-um-policial