O assassinato de Qassem Soleimani, já descrito como o general mais poderoso do Oriente Médio, equivale a uma declaração de guerra dos Estados Unidos ao Irã. Marca uma nova e perigosa etapa nas conturbadas relações entre os dois países. Não resta a menor dúvida de que a resposta do regime virá: não necessariamente na forma de uma batalha direta e convencional, mas por meio da rede de aliados estrategicamente cultivados pelo comandante militar em duas décadas.
O Irã de Soleimani estendeu seus tentáculos, fincando bases e influência no exterior. O comandante da Força Quds da Guarda Revolucionária era o cérebro dessa rede, circulava naturalmente entre Síria, Líbano, Iraque, Iêmen ou Faixa de Gaza -- postos avançados de treinamento de milhares de combatentes com a ajuda militar de Teerã.
Nessa extensa lista de parceiros, prontos para retaliar a morte do carismático general, constam o Hezbollah, no Líbano, o Hamas, na Faixa de Gaza, os houthis, no Iêmen, as forças lideradas por Bashar Assad, na Síria. E também as milícias xiitas do Iraque, especificamente a Kataib Hezbollah, que liderou os recentes protestos na sede da embaixada americana no país. Ou seja, há um exército fortemente armado no Oriente Médio, integrado por aliados leais a Soleimani.
Aos 62 anos, ele disputava popularidade com o líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei. Como estrategista da Guarda Revolucionária, na prática, acumulava mais poder e influência do que o próprio presidente Hassan Rouhani. Suas decisões na política externa valiam mais do que as do chanceler Mohammad Javad Zarif.
Incluído na lista das 100 personalidades da revista Time, em 2017, Soleimani foi descrito pelo ex-analista da CIA Kenneth Pollack como uma eclética mistura de James Bond, Erwin Rommel e Lady Gaga para os xiitas do Oriente Médio. Tinha milhares de seguidores no Instagram, era idolatrado por partidários da linha dura do regime dos aiatolás.
O Pentágono alega que Soleimani orquestrou ataques a bases da coalizão no Iraque e deu consentimento aos ataques à embaixada dos EUA no Iraque. O secretário de Estado, Mike Pompeo, foi além, na entrevista que concedeu na manhã desta sexta-feira à CNN: o ataque aéreo que matou o comandante iraniano nas imediações do aeroporto de Bagdá "salvou vidas americanas” que corriam risco de ataques iminentes nos quais ele estava envolvido.
O momento do ataque é crucial para o presidente Donald Trump: uma ação dramática e unilateral, como o assassinato preventivo de seu poderoso comandante, pode ser encarada como intimidação ao Irã, uma demonstração de que os EUA ainda estão na linha de frente. Tanto que sua primeira reação no Twitter foi apenas o símbolo da bandeira americana.
Pompeo é categórico ao afirmar que o mundo hoje está mais seguro sem a presença de Soleiman. Frases com conteúdos semelhantes foram repetidas anteriormente pelos presidentes Obama e Trump, após os ataques que mataram os terroristas Osama bin Laden e Abi Bakr al-Baghdadi. No terceiro dia do ano, contudo, é mais fácil acreditar que o mundo está mais belicoso do que em 2019.